Após a briga pública entre a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) e os filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a aliança costurada no Ceará para que os bolsonaristas apoiassem uma possível candidatura de Ciro Gomes ao governo foi suspensa. Em reunião realizada nesta terça-feira em Brasília, ficou acordado que o partido irá procurar outro nome, já que Ciro não agrada a todas as alas da família, e a decisão mapear eventuais acordos fechados por Bolsonaro em outros estados, após a briga entre os filhos do ex-presidente e a mulher dele, Michelle Bolsonaro (PL).
A decisão foi referendada por Bolsonaro em encontro com Flávio Bolsonaro (PL-RJ) nesta terça, na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, onde cumpre pena. Após fazer parte de um ataque coordenado com os irmãos, Flávio disse pela manhã que pediu desculpas a Michelle. Agora, ele afirma que a ex-primeira-dama segue com poderes para fazer posicionamentos, desde que alinhados com o clã e que contem com o crivo do patriarca da família. Coube ao deputado André Fernandes (CE), que costurava a aliança dos bolsonaristas com Ciro em seu estado, fazer o anúncio:
— A gente avançou nessas articulações tentando, sim, fazer ali uma aliança, uma composição para derrotar o PT no estado do Ceará. O presidente Bolsonaro desde sempre soube disso (da aliança com Ciro). Houve, como falou, um ruído de comunicação. Vou continuar lutando para que o estado do Ceará se livre das garras do PT, para que acorde. Eu estou aqui para dizer que faremos essa composição em conjunto. Acato a ordem do diretório nacional e ao que tu dedica vamos repensar, analisar um futuro melhor para o estado. Mas pelo momento nós vamos dar uma pausa. Nós vamos repensar, nós vamos analisar um futuro melhor para o estado do Ceará e eu agradeço a confiança de continuar à frente nessa articulação — disse Fernandes.
Flávio disse que o entrevero familiar é “coisa do passado”.
— Eu acho que a gente dá um passo importante aqui de amadurecimento, de demonstração de maturidade. A Michelle participa do núcleo duro aqui do partido que vai tomar as decisões, porque ela tem um posicionamento muito cristalino, muito transparente, muito verdadeiro e com a visão que ela, uma pessoa que tem percorrido o Brasil todo, pode colaborar e muito para que a gente tome as decisões corretas em cada estado. O que houve foi um ruído de comunicação e todo mundo querendo acertar — concluiu Flávio.
Depois de dois dias de acusações, Michelle se reuniu na sede do PL nesta terça com o enteado mais velho, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o deputado federal André Fernandes (PL-CE), o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, e o secretário-geral, senador Rogério Marinho (PL-RN).
Após o encontro, Fernandes disse que Bolsonaro, Valdemar, Flávio e Marinho estavam cientes das conversas com Ciro, mas Michelle, não. O deputado, que é presidente do PL no Ceará, acrescentou que as tratativas no estado seriam suspensas e que a “composição” ocorreria em conjunto.
Briga por protagonismo
A briga pelo protagonismo político na família Bolsonaro foi acentuada com o início do cumprimento da pena do ex-presidente e se tornou pública na segunda-feira após sinais de mal-estar nos bastidores.
De olho no espólio político do patriarca, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) se uniram em críticas à ex-primeira-dama Michelle por tentar interferir na costura de palanque no Ceará. Segundo eles, ao atacar a aliança do deputado André Fernandes (PL-CE) com o ex-presidenciável Ciro Gomes (PSDB), Michelle desrespeitou uma ordem direta do marido.
A ex-primeira-dama viajou ao Ceará no domingo para participar do lançamento da pré-candidatura do senador Eduardo Girão (Novo-CE) a governador e, no palco, criticou a aproximação de Fernandes e do PL com Ciro, que há quase dois meses rompeu com o PDT para se filiar ao PSDB.
— É sobre essa aliança que vocês precipitaram a fazer. Fazer aliança com o homem que é contra o maior líder da direita (Jair Bolsonaro), isso não dá. A pessoa continua falando que a família é de ladrão, é de bandido. Compara o presidente Bolsonaro a ladrão de galinha. Então, não tem como — disse Michelle.
Um participante da reunião disse à Folha que Bolsonaro tentou falar com Ciro por telefone no começo do ano por meio de Fernandes, mas não conseguiu porque o ex-ministro estava em um evento. Depois da tentativa, Fernandes ficou autorizado a articular com Ciro o palanque do PL no estado.
Do outro lado, aliados de Girão afirmam que ele conversou com o ex-presidente no começo do ano por intermédio do senador Magno Malta (PL-ES) na sede do PL, em Brasília. Girão pediu apoio para a candidatura dele ao governo e, em resposta, Bolsonaro teria dito que faria isso, se dependesse só dele.
Integrantes do partido afirmam que a briga serviu para demonstrar que é preciso entender exatamente quais foram as negociações autorizadas por Bolsonaro em cada um dos estados, em especial naqueles onde mais de um candidato busca o apoio do ex-presidente, como Santa Catarina.
Com Bolsonaro preso desde agosto —primeiro em casa e, desde o último dia 25, em regime fechado na Superintendência da Polícia Federal em Brasília—, parlamentares afirmam que só o ex-mandatário sabe exatamente o que ele tratou e com quem.
O PL divulgou uma nota em que afirma que Michelle e Fernandes conversaram a sós antes da reunião desta terça, rezaram juntos e esclareceram suas posições. “Ambos falaram da admiração que sentem um pelo outro e alinharam os próximos passos”, diz trecho da nota.
Ao visitar Bolsonaro de manhã, Flávio declarou que pediu desculpas para a madrasta e que explicou ao pai a situação. À tarde, ele atribuiu episódio a um “ruído de comunicação”, disse que todos conversaram “como adultos” e que o objetivo é derrotar o PT no Ceará.
“O que a gente identifica foi um ruído de comunicação com a Michelle falando com coração, com a autoridade que ela tem, com a verdade que ela carrega nas palavras, em cada evento que ela vai. Sendo exemplo para milhões de mulheres em todo o Brasil”, disse.
“E, do outro lado, a nossa maior liderança no Ceará, André Fernandes. É uma pessoa excepcional, um deputado exemplar e até surpreende às vezes pela maturidade e pela clareza com que ele enxerga o jogo político como poucos. É uma pessoa que conta com a nossa total confiança também”, completou.
Girão não quis comentar a briga entre o clã Bolsonaro e Fernandes. O senador se limitou a dizer que defende uma candidatura de direita. “Sempre procuro a paz, mas defendo uma candidatura autêntica de direita puxando a chapa”, afirmou à reportagem.


