Antes mesmo de a faixa presidencial mudar de mãos já foi deflagrada uma corrida pelo comando do Ministério Público Federal (MPF). Em disputa, está a sucessão do procurador-geral da República, Augusto Aras, cujo mandato à frente da instituição se encerra em setembro de 2023. Uma ala de procuradores tem defendido a retomada da lista tríplice, com a escolha de um dos três nomes mais votados da categoria. Mas candidatos à margem da preferência de seus colegas começam a ensaiar a estratégia adotada por Aras para fugir à tradição e se tornar o escolhido do futuro presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que será o responsável pela indicação.
Membros da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) vão solicitar uma reunião com a equipe de transição do governo Lula para defender a lista tríplice. O presidente da entidade, Ubiratan Cazetta, afirma que, apesar de as conversas no momento terem ocorrido “informalmente”, há a expectativa de dar início a uma discussão pública sobre o assunto com integrantes do futuro governo.
— Estamos buscando contatos com a equipe de transição para voltar a ter a lista tríplice como instrumento de escolha do procurador-geral da República — afirma Cazetta.
De acordo com a Constituição, cabe ao chefe do Executivo escolher o PGR entre os membros de carreira do Ministério Público Federal que atendam aos critérios previstos em lei. A lista tríplice dos procuradores mais votados entre os seus colegas começou a ser realizada em 2001, mas só emplacou no início do primeiro governo Lula, em 2003. A tradição de escolher o nome com maior apoio da instituição se repetiu ao longo das administrações petistas. Até que, em 2019, o presidente Jair Bolsonaro rompeu com a prática e alçou ao posto Aras, que não se candidatou oficialmente.
Entre aliados de Lula, não há um posicionamento consolidado em defesa da lista tríplice como no passado. Integrante da área jurídica da equipe de transição, o advogado Eugênio Aragão, subprocurador-geral da República aposentado, é um dos conselheiros mais influentes da cúpula do PT sobre o tema. Para Aragão, a sucessão de Aras só deve ser definida no segundo semestre do próximo ano.
— O presidente tem todo o direito de não ter pressa para fazer essa escolha e só passar a tratar desse assunto em agosto do ano que vem — afirma Aragão.
Nomes cotados
Durante a campanha, em entrevista ao Jornal Nacional, Lula foi questionado sobre a lista tríplice para a escolha do próximo procurador-geral. Na ocasião, o então candidato do PT evitou assumir qualquer compromisso e disse que queria deixar a instituição com “uma pulguinha atrás da orelha”.
Diante desse cenário de indefinição, integrantes do MPF já começaram a se movimentar. Um dos principais cotados até agora é o subprocurador-geral Antônio Carlos Bigonha, amigo de Aragão e conhecido por ser alinhado a temas caros à esquerda como direitos humanos e povos indígenas. Em suas redes sociais, ele publicou recentemente um vídeo dizendo que o papel do MPF deveria ser menos punitivista, o que foi visto como um aceno para o presidente eleito, preso durante a Operação Lava-Jato. Interlocutores de Bigonha fizeram contato com integrantes do governo de transição para tentar marcar um encontro para apresentá-lo à equipe, o que ainda não ocorreu.
A escolha do comando da PGR também deve passar pelo crivo de nomes da área jurídica do futuro governo Lula, como o do próximo ministro da Justiça. O senador eleito Flávio Dino (PCdoB-MA) é um dos cotados para assumir a pasta. O irmão de Dino, o subprocurador-geral da República Nicolao Dino, é um dos nomes que despontam como favoritos na votação da PGR. O parentesco com Flávio Dino, entretanto, hoje é visto por uma ala do MPF como um possível obstáculo à sua candidatura ao posto. Para integrantes da equipe de Lula, pesa contra Nicolao Dino o fato de ter sido aliado do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, responsável por comandar a Lava-Jato na PGR.
Em 2017, Nicolao figurou como o mais votado da instituição, mas foi preterido pela segunda colocada, a subprocuradora Raquel Dodge. Em 2021, ficou em terceiro lugar, atrás de Luiza Frischeisen e Mario Bonsaglia, que também são considerados fortes candidatos na disputa da lista tríplice deste ano. Nenhum dos três, porém, foi escolhido. Naquele ano, Bolsonaro decidiu indicar Aras para um segundo mandato.
A ideia, segundo integrantes da equipe de Lula, é tratar do tema mais à frente, quando a sucessão de Aras estiver mais próxima, evitando assim a antecipação de um desgaste político. A escolha é considerada estratégica, sobretudo após a Operação Lava-Jato, que colocou na mira de investigações dezenas de políticos de diferentes partidos. Cabe ao procurador-geral da República investigar o próprio presidente em crimes cometidos durante o exercício do mandato. (O Globo)