Os apoiadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vivem um dilema em relação aos mais de 130 pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Mirando nos votos da plateia, deputados do PT se revezam na tribuna da Câmara para defender a mais radical das medidas: o afastamento sumário do atual inquilino do Palácio do Planalto. Em reservado, porém, a conversa é outra. Eles não negam que o cenário para as eleições do ano que vem é favorável com a manutenção do atual presidente no cargo.
Pesquisas sugerem um caminho mais confortável ao petista em 2022 no caso de uma disputa polarizada. Levantamento do Datafolha divulgado na sexta-feira reforçou essa tese. Em um hipotético segundo turno contra Bolsonaro, Lula tem larga margem de vantagem, venceria por 56% a 31%.
Em entrevista a uma rádio de Goiás no mesmo dia, o próprio ex-presidente demonstrou ceticismo em relação a um eventual impeachment do seu maior adversário em potencial. Afirmou que não acredita numa mudança de postura do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a quem caberia dar o primeiro passo para a abertura do processo de afastamento. Ao analisar o cenário político, também reforçou que é difícil haver um outro postulante que corra por fora.
— A terceira via tem que me derrotar no primeiro turno ou derrotar o Bolsonaro no primeiro turno. Não há espaço para terceira via se não houver uma mudança brusca no espaço político nacional — avaliou Lula.
Durante a semana passada, partidos de esquerda, incluindo o PT, participaram de reuniões a fim de debater as pautas dos próximos atos contra Bolsonaro. Reforçaram que é preciso ir às ruas para pressionar pela sua saída.
Até aqui, parte dos petistas alega não ter mergulhado de cabeça nas manifestações anti-Bolsonaro porque em algumas delas também foram vistos ataques contra Lula. Na mais recente, realizada no domingo passado em 13 capitais e no Distrito Federal, uma parcela considerável dos manifestante pregava o “nem Lula, nem Bolsonaro”. Um boneco inflável com os dois políticos abraçados — e o petista usando roupa de presidiário — chegou a ser erguido na Avenida Paulista.
Para o presidente do PDT, Carlos Lupi, as siglas de esquerda atuam de maneira correta ao adotar o “Fora Bolsonaro” como prioridade mesmo a um ano das próximas eleições. Ele ressalta, contudo, que há uma ambivalência no caso do PT.
— Pelo que eu percebo dessa polarização, tanto o Bolsonaro quer disputar com Lula quanto o PT e o Lula querem disputar com Bolsonaro — resume Lupi.
A polarização traz otimismo a parlamentares de esquerda ligados a Lula, que preveem uma campanha menos difícil nesse cenário. Um líder de oposição ouvido pelo GLOBO em condição de anonimato, por exemplo, argumenta que o PT tem marcado presença nas articulações de atos contra Bolsonaro, “sem fazer corpo mole”. Ele diz, porém, que a realidade se impõe:
— Politicamente, é melhor disputar um segundo turno contra Bolsonaro.
Há quem discorde da visão, ao menos no discurso para fora. O líder do PT na Câmara, Bonh Gass (RS), afirma que “toda a energia” deve ser concentrada no movimento pelo impeachment de Bolsonaro. Ele diz que a campanha eleitoral ainda nem começou e que há muito tempo pela frente.
— O Bolsonaro faz tão mal ao Brasil que, a cada dia que ele permanecer à frente da Presidência, será pior. O PT está firme, e nos atos estará muito forte. A luta é por democracia, impeachment e as demandas do povo: emprego, comida e moradia. Não tem conforto. Essas pesquisas são de momento. Isso pode apontar para a vitória, mas precisamos consolidar — disse. O Globo