A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de pautar para agosto o julgamento de um recurso da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que tenta anular o voto da ministra Rosa Weber na ação que pede a descriminalização do aborto surpreendeu até mesmo o departamento jurídico da instituição.
Os embargos de declaração foram apresentados à corte em outubro do ano passado. A CNBB, contudo, não esperava que eles fossem analisados por agora, considerando as sinalizações do presidente da corte, Luís Roberto Barroso, de que o processo não seria retomado tão cedo.
A CNBB já se prepara para solicitar reuniões privadas com os 11 magistrados e defender a validação de seu recurso. “Vamos conversar com todos que nos receberem”, afirma o advogado Lucas Furtado de Vasconcelos Maia, que representa a conferência.
A defesa da CNBB reconhece que o julgamento do recurso, se aceito pelos ministros, não entrará no mérito da discussão sobre a descriminalização da interrupção até a 12ª semana de gestação. Mas vê com otimismo a possibilidade de o voto da ministra aposentada ser anulado e substituído pelo de Flávio Dino, que assumiu a cadeira deixada por ela e hoje relata o processo.
“Se entenderem que foi nulo, o voto dela some. É como se nunca tivesse existido. E abre possibilidade de o ministro Flávio Dino votar”, afirma Maia. “Como o ministro vai votar, por ser católico, não sei. Mas espero que ele resguarde o direito que é mais sagrado, que é a vida.”
O advogado explica que, apesar da incerteza em relação a um eventual voto de Dino, a anulação do que foi dado por Rosa Weber e a possibilidade de recomeçar o julgamento já seriam uma vitória para aqueles que são contrários ao aborto.
“Hoje eu tenho um voto desfavorável. Então, no mérito, a situação só pode melhorar [se a anulação for confirmada], não tem como piorar”, afirma o advogado da CNBB. “Se acolherem o nosso argumento, voltamos ao 0 a 0. O voto da ministra Rosa, com todo o respeito, não resguarda o direito mais básico, que é a vida.”
Weber, que se aposentou em setembro do ano passado, pautou a ação no plenário virtual do STF e apresentou, pouco antes de deixar o tribunal, um voto a favor da descriminalização do aborto.
À época, o ministro Luís Roberto Barroso pediu destaque —ou seja, paralisou o processo e decidiu que ele seria julgado no plenário físico, em data indefinida.
Como mostrou a Folha, a CNBB afirma que o pedido de Barroso apareceu antes do voto de Rosa no sistema processual, e que o prazo de 48 horas foi insuficiente para que partes interessadas no processo, como a própria instituição católica, enviassem a gravação de sua sustentação oral.
Segundo a entidade, esse procedimento foi prejudicial à manifestação da entidade, e por isso o voto deveria ser invalidado.
“O recurso é absolutamente técnico. Entendemos que foram ofendidos princípios constitucionais, o devido processo legal e o direito ao contraditório. A ministra pautou para o plenário virtual a matéria sem observar o prazo do próprio regimento interno do STF”, afirma o advogado da CNBB. (Folha de SP)