Na expectativa de um cenário menos hostil no Senado depois da carta em que o presidente Jair Bolsonaro fez um aceno de pacificação institucional, o ex-advogado-geral da União André Mendonça aposta também em outros trunfos para destravar o processo de indicação à vaga em aberto no Supremo Tribunal Federal (STF): a intensificação da campanha feita por pastores evangélicos e a influência do ex-presidente José Sarney sobre a bancada do MDB.
O destinatário principal da pressão é o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa e responsável por marcar a data da sabatina. No entanto, como o parlamentar — que prefere o nome do procurador-geral da República, Augusto Aras, para o posto — já ignorou ligações e mensagens de Mendonça, além de não ter aceitado receber lideranças evangélicas, a estratégia agora inclui o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Uma caravana formada pelos pastores César Augusto (Igreja Fonte da Vida), Estevam Hernandes (Igreja Apostólica Renascer em Cristo) e Abner Ferreira (da Assembleia de Deus Madureira), entre outros, estará no Congresso em busca de uma reunião com Pacheco. O objetivo é cobrar solução para o impasse: como mostrou o GLOBO, na comparação com os atuais integrantes da Corte, Mendonça já é o recordista no tempo de espera para ser sabatinado.
Aliados de Mendonça avaliam que o possível distensionamento da relação entre Bolsonaro e os outros Poderes ajude a alavancar a aprovação de seu nome porque a falta de “clima” decorrente do radicalismo do Planalto vinha sendo a alegação pública de Alcolumbre para não pautar a sabatina. Mas o senador tem ao menos outra razão para não facilitar a indicação de Bolsonaro. Ex-presidente do Congresso, o parlamentar do Amapá contava com o apoio do governo para ser reconduzido ao cargo e eleger o seu irmão prefeito em Macapá. Os dois planos foram frustrados. Além disso, o clima azedou de vez quando Alcolumbre se sentiu desprestigiado após perder o controle da destinação de emendas parlamentares, com as quais angariava apoio de seus colegas. Incomodado e se sentindo desprestigiado pelo Planalto, ele passou a se recusar a pautar a sabatina de Mendonça em represália ao presidente e, nos bastidores, virou defensor do nome de Augusto Aras.
Alvo involuntário da briga, Mendonça tem mantido uma agenda diuturna de interlocução. Ele já se reuniu com a maioria dos senadores dos quais precisa beijar a mão. De forma discreta, o ex-advogado-geral da União esteve ao menos três vezes com o ex-presidente José Sarney, que exerce influência na bancada do MDB, e tem se aconselhado com Marco Aurélio Mello, ministro aposentado do STF, e com José Mucio, ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU).
Rotulado por alguns parlamentares como lavajatista, Mendonça tem opinado que a operação de combate à corrupção e o ex-juiz Sergio Moro cometeram excessos. Para vencer a resistência ao seu nome, o candidato ao Supremo explicou para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que não teve qualquer ligação com uma ação movida pela AGU junto com a Lava-Jato contra ele e o seu pai, Benedito Lira, prefeito do balneário alagoano de Barra de São Miguel. A explicação para o imbróglio foi simples: as medidas foram tomadas enquanto Mendonça estava, na verdade, na Controladoria-Geral da União (CGU).
Para se apresentar aos senadores, Mendonça fez um movimento atípico e chegou a viajar a diferentes estados para encontrá-los. Ao longo dessas visitas, ele recebeu oferta de fretamento de jatinhos particulares, mas recusou. Para não haver conflitos com a sua atuação na AGU, decidiu tirar férias — e foi substituído no comando do órgão. Encerrado o período de recesso, voltou a bater ponto como qualquer outro servidor e passou a ter menos encontros com Bolsonaro. A última conversa privada com o presidente teria acontecido antes da sua indicação ao Supremo. Após os atos de 7 de setembro, os dois se encontraram rapidamente no Planalto junto com outras pessoas.
Em suas conversas reservadas com senadores, segundo o GLOBO apurou com parlamentares, Mendonça tem esclarecido diversas dúvidas. Uma delas é sobre os pedidos de investigação contra adversários de Bolsonaro baseados na Lei de Segurança Nacional. O ex-ministro costuma dizer que apenas cumpriu a sua função, sob pena de prevaricação. A outra é sobre as orações que o presidente disse que o seu indicado realizará antes das sessões do Supremo. Pastor evangélico, Mendonça afirma cultivar o hábito de fazer intercessões particulares, em silêncio, antes de trabalhar. O Globo