A recente prisão do ex-presidente Fernando Collor, decorrente de condenação no âmbito da Lava-Jato, reacendeu o debate sobre os desdobramentos e a herança da força-tarefa que marcou a política nacional. Embora a operação tenha perdido força nos últimos anos, com arquivamentos e anulações, levantamento do GLOBO a partir de consultas nos tribunais mostra que pelo menos 17 políticos — além de Collor — ainda enfrentam ações penais derivadas das investigações.
Na outra ponta, pelo menos 27 réus inicialmente denunciados ou condenados conseguiram reverter suas situações jurídicas. O principal motivo foi a declaração de incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), à época comandada pelo ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União-PR), para julgar os casos. A jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que muitas das ações deveriam ter tramitado em outras instâncias, como as justiças federais de São Paulo e do Distrito Federal.
O exemplo mais emblemático dessa reviravolta é o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Após cumprir 580 dias de prisão em Curitiba, o petista teve suas condenações nos casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia anuladas, além de outros dois processos relacionados ao Instituto Lula, que não chegaram a gerar sentença. O STF considerou que Moro atuou com parcialidade, invalidando os julgamentos e determinando a remessa dos processos para outras jurisdições.
O entendimento de que Sergio Moro agiu de forma suspeita provocou um efeito dominó, com impacto direto em dezenas de processos da Lava-Jato. Um dos casos que ainda não teve desfecho definitivo, porém, é o do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Condenado por Moro, ele teve a sentença anulada em fevereiro. A Procuradoria-Geral da República (PGR), no entanto, recorreu da decisão, alegando que o caso do petista não guarda “aderência estrita” com o de Lula. O julgamento do recurso, iniciado em abril, foi interrompido por pedido de vista do ministro Nunes Marques.
Assim como Palocci, outros nomes de peso, como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-senador Romero Jucá, têm ações ativas.
— Prescrição não é mera contagem de tempo. Há eventos no processo que interrompem esse prazo, como o recebimento da denúncia. No caso do Lula, como o juiz foi declarado incompetente, passa a valer a data do fato. Quando não há anulação ou suspeição, as ações seguem normalmente, podendo durar anos — afirma Edgard Monteiro, doutorando em Direito Penal na Uerj.
Cunha, por exemplo, foi condenado pelo TRF-4, em 2017, a 14 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. A sentença, contudo, foi anulada pelo STF em 2023. Mesmo assim, ele ainda responde a processos na Justiça Eleitoral do Rio, relacionados a contratos entre a Petrobras e o estaleiro Samsung Heavy Industries, firmados entre 2006 e 2012. Cunha afirmou estar confiante na extinção de todas as ações:
— A Justiça vem reconhecendo as ilegalidades praticadas pelo ex-juiz (Sergio Moro), que fez vários atos de perseguição contra mim para tentar demonstrar falsa imparcialidade — disse o ex-deputado.
Cabral: 300 anos de prisão
No caso de Jucá, a investigação por suposto recebimento de propina da Odebrecht foi arquivada em 2018, por falta de provas. Mesmo assim, ele ainda responde a ao menos duas ações penais: uma por corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo a Transpetro, em tramitação na Justiça Federal do Distrito Federal, e outra por repasses ilícitos ligados à usina nuclear de Angra 3, em curso no Rio de Janeiro. Tanto Jucá quanto Palocci não responderam aos contatos do GLOBO.
Nenhum político foi tão atingido pela Lava-Jato quanto o ex-governador do Rio Sergio Cabral. Com mais de 20 condenações e penas que superam 300 anos de prisão, ele virou uma espécie de símbolo da operação. Cabral esteve preso entre 2016 e 2022 e atualmente cumpre medidas cautelares.
Três das condenações, proferidas pelo TRF-2, foram anuladas em 2024. Ainda assim, o ex-governador, que preferiu não comentar, segue réu em pelo menos nove ações, que investigam contratos públicos, obras superfaturadas e até suposto pagamento de propina para a escolha do Rio como sede das Olimpíadas de 2016.