Flávio Dino (foto), o ministro da Justiça, anunciou há pouco que encaminhou à Polícia Federal o caso dos acordos feitos por procuradores da Lava Jato com outros países, supostamente sem o conhecimento do Tribunal de Contas da União (TCU). O caso foi revelado pela imprensa, na semana passada.
“O objetivo é a investigação sobre a origem e o destino de bilhões de reais e os motivos que levaram a tais acordos com autoridades estrangeiras”, escreveu Dino em seu Twitter.
Não é a primeira vez que Dino anuncia, aos quatro ventos das redes sociais, uma investigação. Em março, ele disse que a PF iria abrir uma investigação sobre um suposto sistema de monitoramento da Abin. Dias antes, tinha dito que as joias sauditas recebidas por Bolsonaro seriam investigadas e mesmo que situação do povo yanomami seria alvo de escrutínio.
Dino encaminhou mais uma.
Na semana passada, o UOL publicou reportagem exclusiva na qual mostrava como o ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol negociou em sigilo com as autoridades norte-americanas um acordo para dividir o dinheiro que seria cobrado da Petrobras em multas e penalidades por causa da corrupção.
Procurado antes da publicação, Deltan não respondeu aos pedidos de esclarecimentos por parte da reportagem, realizada em uma parceria entre o UOL e a newsletter A Grande Guerra. Horas depois da veiculação da informação, o ex-deputado se pronunciou em suas redes sociais.
A negociação não envolveu a CGU (Controladoria-Geral da União), o órgão competente por lei, para o caso.
As conversas entre procuradores suíços e brasileiros aconteceram por mais de três anos pelo aplicativo Telegram e não eram registradas oficialmente. Elas aconteciam por causa do papel das autoridades de Berna na busca, confisco e detalhamento das contas usadas como destino das propinas investigadas na Operação Lava Jato. Mas, para ambos, foi considerado estratégico envolver a Justiça americana, que estava também investigando o caso.
Os chats fazem parte dos arquivos apreendidos pela Polícia Federal durante a operação Spoofing, que investigou o hackeamento de procuradores e também do ex-juiz Sergio Moro no caso que ficou conhecido como Vaza Jato.
No dia 29 de janeiro de 2016, Dallagnol escreveu aos suíços para contar o resultado dos primeiros contatos entre ele e as autoridades americanas. Mas alertava que o procedimento seria “confidencial”.
A Petrobras fecharia um acordo com os Estados Unidos mais de dois anos depois, aceitando pagar uma multa de 853,2 milhões de dólares para não ser processada. O acordo garantiu o envio de 80% do valor ao Brasil —metade do montante milionário seria destinado a um fundo privado que a própria Lava Jato tentou criar e não conseguiu. O ministro Alexandre de Moraes suspendeu a criação do fundo a pedido da PGR. O dinheiro foi destinado à Amazônia e, agora, o CNJ investiga o caso.
As conversas secretas entre a Lava Jato e procuradores estrangeiros não se limitaram à Suíça. Em reportagens publicadas pelo The Intercept Brasil em parceria com a Agência Pública, conversas e documentos expuseram a proximidade, as reuniões e as trocas ilegais de informação entre brasileiros e norte-americanos.
Deltan Dallagnol escondeu nomes de pelo menos 17 agentes americanos que estiveram em Curitiba em 2015 sem conhecimento do Ministério da Justiça, que deveria ter sido avisado. Entre eles, procuradores norte-americanos ligados ao Departamento de Justiça e agentes do FBI.
Os encontros e negociações ocorreram sem pedido de assistência formal e foram comprovados por documentos oficiais do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, obtidos pelo Intercept para além dos diálogos da Vaza Jato.
Durante as conversas e visitas, os procuradores da Lava Jato sugeriram aos americanos maneiras de driblar um entendimento do STF que permitisse que os EUA ouvissem delatores da Petrobras no Brasil.
A troca de informações sem o conhecimento do Ministério da Justiça foi intensa. Com base nessas informações, mais tarde, agentes americanos ouviram no Brasil Nestor Cerveró e Alberto Youssef, além de outros depoimentos usados para processar a Petrobras nos Estados Unidos.
Deltan Dallagnol sabia que estava agindo à margem da lei. Em um diálogo de 11 de fevereiro de 2016, o procurador Vladimir Aras – então diretor da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da Procuradoria-Geral da República (PGR) – alertou o ex-líder da Lava Jato sobre seus procedimentos ao permitir a operação dos agentes americanos no Brasil. (UOL)