• Dino quer acabar com a festa das ‘emendas pizza’

    O Congresso brincou de ignorar uma decisão do STF. Depois que o tribunal proibiu as emendas de relator, a turma da Câmara e do Senado trocou a moeda corrente. Em 2023, repartiu entre parlamentares quase R$ 7 bilhões em emendas de comissão. Neste ano, já foram R$ 10 bilhões.

    O dinheiro foi distribuído em nome das comissões do Congresso, mas quem definiu o destino da verba foram deputados e senadores escolhidos por quem manda: Arthur Lira (PP), Davi Alcolumbre (União Brasil), Marcelo Castro (MDB) e Eduardo Braga (MDB). Eles fatiaram o que se chamava de “emenda pizza”.

    O STF tolerou esse balcão de negócios por tempo demais. Nesta quarta (1º), o ministro Flávio Dino empurrou a corte na direção do que pode ser a asfixia da farra das emendas.

    Dino ordenou que o Congresso pare de descumprir o que o STF determinou quando pôs fim às emendas de relator. Ele proibiu que a partilha dos bilhões das emendas de comissão seja feita às escondidas, sem expor critérios de divisão ou identificar os responsáveis pelas indicações.

    A decisão esvazia uma ferramenta de poder importante. O controle absoluto sobre a divisão do dinheiro permitiu que chefes do Congresso garantissem a lealdade de outros parlamentares e reduzissem sua dependência em relação ao Executivo.

    O acerto garantiu a sustentação de Jair Bolsonaro, que assinava os cheques preenchidos pelos parlamentares. O governo Lula não foi inocente na história, porque pagou a conta do Congresso nesses últimos 18 meses. O petista, por outro lado, trabalhou para que o STF fechasse a torneira.

    Dino determinou também o cumprimento de novas regras para as chamadas “emendas Pix”, depositadas nos caixas de prefeituras e estados mesmo quando não estão vinculadas a nenhum projeto específico. O ministro ordenou ainda uma auditoria nos pagamentos feitos nos últimos anos. De uma vez, dificultou o repasse desse presente para os redutos eleitorais dos parlamentares e ainda ameaçou chamar a polícia para acabar com a festa.

    Na decisão de apenas 18 páginas, Dino traz quatro determinações para dar transparência às emendas de Comissão e à execução dos “restos a pagar” das emendas de relator. Saiba abaixo os principais pontos da decisão do ministro.

    1. Divulgar os nomes dos “padrinhos”
    O ministro deu prazo de 30 dias para Executivo e Legislativo divulgarem os nomes dos deputados e senadores responsáveis pelas indicações do orçamento secreto original e das emendas de comissão. Os poderes devem ainda dizer quais mecanismos adotarão para “assegurar a rastreabilidade, a comparabilidade e a publicidade dos dados orçamentários, para o integral cumprimento da decisão desta Corte, que veda, peremptoriamente, a prática abusiva designada ‘orçamento secreto’”.

    O ministro determina ainda que, daqui para a frente, a execução das emendas de Comissão e o pagamento dos “restos a pagar” das emendas de relator só sejam feitos pelo Executivo “mediante prévia e total transparência e rastreabilidade”. Todas as determinações do STF relativas às emendas de relator passam a valer, a partir de agora, para as emendas de comissão.

    2. Proibido mandar emendas para outros Estados
    Congressistas só poderão mandar emendas, de qualquer tipo, para os Estados pelos quais foram eleitos. A exceção, segundo Dino, são os apoios a “projeto de âmbito nacional cuja execução ultrapasse os limites territoriais do Estado do parlamentar”.

    Como mostrou o Estadão, deputados e senadores enviaram R$ 412 milhões para entidades, prefeituras e governos estaduais fora dos Estados em que foram eleitos. Um deputado pelo Amapá, Vinícius Gurgel (PL-AP), chegou a mandar 77% de suas emendas para fora de seu Estado. Dos R$ 412 milhões, R$ 73 milhões foram para prefeituras de outros Estados, sendo R$ 15,2 milhões por meio de “emendas Pix”, modalidade na qual a prefeitura pode usar o dinheiro para qualquer finalidade (exceto pagamento de servidores). Em São Paulo, ao menos oito congressistas enviaram R$ 27 milhões para fora do Estado.

    3. ONGs precisam prestar contas
    Dino diz que, ao executar recursos vindos de emendas parlamentares, as Organizações Não Governamentais (ONGs) e “demais entidades do terceiro setor” devem dar “transparência e rastreabilidade” aos recursos, além de respeitar “procedimentos objetivos de contratação” – ou seja, devem justificar como usam o dinheiro.

    O ministro determina ainda que a CGU, no prazo de 90 dias, realize auditoria de todos os recursos repassados a ONGs por meio de emendas parlamentares de qualquer tipo, nos anos entre 2020 e 2024. Já as ONGs precisam informar, na Internet, sobre como usaram os recursos das emendas.

    4. Auditoria nos dez municípios que mais receberam emendas
    O ministro determina à CGU que realize, dentro de 30 dias, uma auditoria sobre as emendas recebidas pelos 10 municípios mais beneficiados por emendas parlamentares entre os anos de 2020 e 2023. A auditoria da CGU terá de responder, segundo Dino, às seguintes questões: como foi a tramitação das emendas no Legislativo e no Executivo federal, e depois, nas prefeituras; como se encontram as obras para as quais essas emendas foram destinadas; e quais procedimentos foram usados pelos municípios para dar transparência ao uso dos recursos. A CGU também deverá realizar “análise de risco e eficiência” sobre as emendas de comissão.

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