O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), enviou nesta segunda-feira (15) à Polícia Federal um relatório que mostra que nove das dez cidades que mais receberam emendas Pix de 2020 a 2024 têm indícios de irregularidades na aplicação dos recursos.
Dino também determinou que o governo federal suspenda os repasses das emendas suspeitas dos nove municípios. O valor das transferências é de R$ 671 milhões.
As suspeitas foram apontadas pela CGU (Controladoria-Geral da União) e enviadas ao Supremo em parecer solicitado pelo próprio ministro Flávio Dino.
O relatório mostra que, nos cinco anos analisados, os dez municípios que mais receberam recursos das emendas Pix arrecadaram quase R$ 725 milhões.
As cidades com suspeitas de irregularidades na aplicação dos recursos são Carapicuíba (SP), Macapá (AP), São Luiz do Anauá (RR), São João de Meriti (RJ), Iracema (RR), Rio de Janeiro (RJ), Sena Madureira (AC), Camaçari (BA) e Coração de Maria (BA).
Os problemas são diferentes em cada município, segundo a CGU. Carapicuíba apresentou “falhas na formalização do processo licitatório”; Macapá e Rio de Janeiro têm “indicativos de superfaturamento”. Coração de Maria contratou empresa sem comprovação de capacidade técnica para executar as obras.
A Controladoria destacou que somente o município de São Paulo, o sexto que mais recebeu emendas Pix de 2020 a 2024, com R$ 54 milhões, não tem suspeitas na aplicação dos recursos.
“Diante do acima exposto, verifica-se que 9 dos 10 municípios auditados na amostra possuem algum tipo de irregularidade na aquisição de bens e na contratação de serviços, não tendo sido identificadas irregularidades no processo de contratação, na seleção de fornecedores e na execução dos contratos da amostra do município de São Paulo”, diz a CGU.
Flávio Dino determinou o envio do relatório à direção da Polícia Federal para que as novas suspeitas sejam investigadas pela corporação.
“Friso que, neste momento, tais procedimentos seguirão tramitando perante este STF, a fim de evitar qualquer embaraço indevido às prerrogativas parlamentares, seguindo-se o declínio às instâncias ordinárias quando for o caso e no momento adequado”, disse.
O ministro ainda decidiu que a CGU deve ampliar a auditoria sobre as emendas Pix de forma progressiva considerando o “altíssimo índice de problemas identificados em nove dos municípios auditados”.
“A continuidade é necessária para separar o joio do trigo, evitar injustiças, possibilitar o exercício pleno do direito de defesa e aplicar as sanções cabíveis após o devido processo legal”, completou Dino.
O relatório da CGU mostra que, de 2020 a 2024, deputados e senadores enviaram R$ 17,5 bilhões em emendas Pix para 95% dos entes brasileiros —5.335 municípios e estados. A Controladoria diz que fez o recorte dos dez municípios que mais receberam recursos seguindo diretrizes estabelecidas pelo Supremo.
A auditoria teve algumas frentes para identificar possíveis irregularidades. Em uma delas, a CGU identificou que nove dos dez municípios que mais receberam recursos têm planos de trabalho para a execução das emendas incompletos, deficientes ou mesmo ausentes.
Em outra frente, o relatório destacou a ineficiência na aquisição de bens e na execução dos serviços contratados com os recursos das emendas Pix. O principal achado da auditoria foram irregularidades no planejamento da contratação ou na seleção de fornecedores e fragilidades na fiscalização da execução do contrato.
“Em 09 dos 10 municípios auditados, constatou-se a ineficiência e inefetividade na aquisição de bens e na execução dos serviços, incluindo indicativo de superfaturamento, de desvio de recursos, de fornecimento de empresas e ausência de comprovação da aquisição de bens, gerando não conformidades que impactaram significativamente na entrega dos objetos originalmente contratados”, conclui o relatório.
As emendas Pix são transferências especiais por meio das quais parlamentares enviavam recursos diretamente para prefeituras e governos estaduais sem necessidade de convênio ou identificação do projeto a ser contemplado.
Esse tipo de emenda permitia que prefeitos usassem o dinheiro para executar obras e firmar contratos sem a devida transparência. As emendas Pix entraram na mira do Supremo por descumprir as regras de rastreabilidade do dinheiro enviado pelos congressistas.
Pelas regras atuais, toda emenda Pix precisa ser acompanhada de um plano de trabalho com os detalhes da execução dos recursos arrecadados pelas prefeituras ou governos estaduais. O nome do parlamentar que enviou o recurso precisa constar nos portais de transparência do governo.
Orçamento secreto: ministro manda PF abrir novos inquéritos
Dino também é relator da ação sobre o orçamento secreto. Nesta segunda, ele determinou o compartilhamento, com a Polícia Federal, do relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as emendas parlamentares cadastradas na plataforma Transferegov.br, criada para dar transparência aos repasses. Segundo o TCU, R$ 85,4 milhões foram transferidos entre 2020 e 2024 para projetos sem plano de trabalho definido.
O ministro mandou a PF abrir inquéritos separados por Estado. O despacho menciona suspeitas de cinco crimes – prevaricação, desobediência a ordem judicial, emprego irregular de verbas públicas, peculato e corrupção.
As investigações também vão tramitar no STF, já que um dos objetivos da Polícia Federal será verificar se há envolvimento de parlamentares em irregularidades. Dino justificou que as apurações exigem “cautela para não haver qualquer mácula que vulnere as prerrogativas dos membros do Congresso Nacional”. O ministro também avisou que a intimação de deputados e senadores para prestar depoimento deve ser “devidamente motivada pela autoridade policial responsável e comunicada” a ele.