Em um novo capítulo do embate envolvendo o pagamento de emendas, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Câmara responda “objetivamente” a questionamentos sobre a indicação dos recursos até as 20h desta sexta-feira. O novo despacho de Dino é uma resposta ao pedido protocolado pela Casa para que as verbas suspensas pelo ministro do STF na última segunda-feira fossem desbloqueadas.
Segundo Dino, “lamentavelmente, da petição hoje protocolada pela Câmara dos Deputados não emergem as informações essenciais, que serão novamente requisitadas, em forma de questionário para facilitar a resposta”.
No pedido enviado à Corte, a Câmara alegava que não houve descumprimento das regras vigentes quando 17 líderes da Casa enviaram um ofício ao Executivo pedindo a liberação de R$ 4,2 bilhões das chamadas emendas de comissão. Ao bloquear a execução da verba, Dino entendeu que a medida desrespeitou regras previamente acordadas que previam a aprovação dos colegiados e a identificação dos autores de cada indicação.
No despacho desta sexta-feira, Dino elenca quatro questionamentos que devem ser respondidos pela Câmara dos Deputados.
Dino reagiu a um documento enviado a ele mais cedo no qual a Advocacia da Câmara pede a liberação de cerca de R$ 4,2 bilhões em emendas, diz que as comissões foram suspensas para dar prioridade à pauta de votações e afirma que não há ilegalidade na indicação dos recursos.
Na decisão desta sexta-feira, Dino afirma que o Supremo tenta viabilizar o pagamento das emendas desde agosto, mas que a Câmara insiste “em interpretações incompatíveis com os princípios constitucionais da transparência e da rastreabilidade”, sem mostrar informações imprescindíveis.
As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade do Congresso tem sido atender seus redutos eleitorais, e não as localidades de maior demanda no país.
Na segunda (23), Dino suspendeu o pagamento das emendas e determinou que a Polícia Federal instaurasse um inquérito para investigar o processo de liberação desses recursos, incluindo o depoimento de deputados que haviam denunciado irregularidades. A investigação foi aberta pela PF no dia seguinte.
A decisão do ministro do STF se deu em resposta a um pedido dos partidos Novo e PSOL e da associação Transparência Brasil. Os três alegam que os líderes da Câmara distribuíram 5.449 emendas de comissão que totalizam R$ 4,2 bilhões sem que as comissões tivessem sequer se reunido no período.
A representação cita um ofício assinado por 17 líderes partidários, enviado ao governo no último dia 12. Reportagem da revista Piauí mostrou que a lista, na prática, mudava a destinação de parte das verbas de comissão sem aprovação dos colegiados.
A reportagem diz que as novas indicações apresentadas somam R$ 180 milhões —há ainda outras alterações que chegam a R$ 98 milhões. O estado mais beneficiado com a destinação dos R$ 4,2 bilhões seria o reduto de Arthur Lira (PP-AL), Alagoas, com quase R$ 500 milhões.
Dino ressalta que não existe “emenda de líder” nem na Constituição (em que há previsão apenas de emendas individuais e de bancada) nem na resolução do Congresso Nacional que estabeleceu as emendas de comissão.
“Observo que Emendas do Presidente da Casa ou do Presidente da Comissão, de Líderes Partidários e da Mesa da Casa Legislativa, até o momento, não existem na Constituição e nas leis nacionais”, diz o ministro na decisão.
A lei aprovada para tentar mais transparência às emendas parlamentares não cria a emenda de líder, mas dá aos líderes de partidos da Câmara e do Senado o novo poder de indicar às comissões (como a de Constituição e Justiça ou a de Educação) para onde o dinheiro deve ser enviado.
Antes da lei, as emendas de comissão —que foram turbinadas com o fim das emendas de relator— eram definidas, em tese, de forma colegiada, pelas comissões. Na prática, porém, parlamentares influentes escolhiam como os recursos deveriam ser gastos sem serem identificados.
No documento desta sexta enviado ao STF, a Advocacia da Câmara diz que as informações apresentadas ao ministro não correspondem à verdade, revelam profundo desconhecimento do processo legislativo orçamentário, são imprecisas e estão descontextualizadas.
A Câmara diz que as emendas foram aprovadas em 2023 e que o número de 5.449 nem poderia ser atingido, em nenhuma hipótese, porque cada comissão pode aprovar até 8 emendas (totalizando 416, considerando as 30 comissões da Câmara, as 17 do Senado e as 5 do Congresso).
No mesmo documento a Dino, a Câmara afirma ainda que as comissões foram suspensas entre os dias 12 e 20 de dezembro com o único objetivo de viabilizar o pacote de gastos do governo federal e a regulamentação da reforma tributária.
Lira passou o Natal com a família em Maceió (AL), mas retornou para a capital federal para discutir o assunto. Nesta quinta (26), o deputado se reuniu com o presidente Lula (PT), com líderes partidários e com seu possível sucessor, Hugo Motta (Republicanos-PB).