O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a ampliação da vigência da Lei de Cotas, cujo vigor iria até o dia 10 de junho, até que seja concluído o processo legislativo no Congresso sobre a nova norma. De acordo com a decisão, fica afastada “a interpretação que extinga abruptamente as cotas raciais previstas na Lei 12.990/2014”, mas depois que uma nova norma for aprovada “prevalecerá a nova deliberação do Poder Legislativo, sendo reavaliado o conteúdo da presente decisão cautelar”.
A lei de cotas foi promulgada em 2014 com um prazo de validade de dez anos, estabelecido para permitir a avaliação da eficácia da ação afirmativa. A intenção era revisar os resultados e ajustar as políticas conforme necessário, a fim de promover a inclusão e a igualdade racial no Brasil.
A decisão foi tomada na ADI 7.654, movida pelo PSol e pela Rede. Na ação, os partidos pediam a suspensão liminar e, no mérito, a inconstitucionalidade do artigo que prevê a vigência por 10 anos da atual legislação, prevista para expirar em 10 de junho. Na liminar, no entanto, Dino aplicou a técnica da interpretação conforme a Constituição, de forma a evitar a interrupção abrupta da política pública.
Os partidos também pedem, além disso, que seja declarada a inconstitucionalidade do inciso que prevê reserva de 20% das vagas apenas quando a oferta no edital seja igual ou superior a três vagas, de modo que não haja essa limitação. Por fim, os partidos também demandam interpretação conforme a Constituição para expandir o alcance da lei, de modo que seja aplicada não apenas nos concursos federais, como prevê seu artigo 1º, mas também em estados, municípios e processos seletivos “em que haja repasses de verbas públicas ao beneficiário”. Estes pontos serão avaliados apenas quando o relator decidir julgar o mérito do processo.
O plenário do Senado aprovou na quarta-feira (22/5) a nova lei de cotas no serviço público federal (PL 1958/2021) após manobra dos parlamentares da oposição para que o projeto não fosse encaminhado diretamente para a Câmara dos Deputados depois da aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O governo corria contra o tempo para que a legislação seja aprovada antes do dia 10 de junho, mas esperava a mesma resistência da oposição na Câmara.
O temor do governo é que o 1º Concurso Nacional Unificado (CNU), previsto inicialmente para ocorrer no dia 5 de maio e adiado em decorrência das trágicas enchentes no Rio Grande do Sul, ocorra sem que a nova legislação esteja em vigor, o que traria insegurança jurídica. A prova foi remarcada para o dia 18 de agosto.
Ao decidir sobre a ampliação da vigência da Lei de Cotas, Dino afirmou “que a significativa duração do processo legislativo no Senado Federal – inclusive com forte debate político – adensa o risco de dano derivado de haver, eventualmente, uma tramitação similar na Câmara dos Deputados, ultrapassando o atual prazo de vigência da Lei existente. Tal fator configura suficientemente o perigo de grave dano a normas constitucionais, em virtude da natural extensão do processo legislativo em curso. Lembro, ademais, que há concursos em tramitação, e o fim repentino das cotas geraria insegurança jurídica, com elevada probabilidade de multiplicação de litígios judiciais”.
O fim da vigência da ação afirmativa sem que haja avaliação dos seus efeitos, das consequências da sua descontinuidade e dos resultados alcançados, afirma Dino, “não se coaduna com as promessas constantes na nossa Constituição relativas à construção de uma sociedade justa e solidária, com erradicação das desigualdades sociais e sem preconceito de raça, cor e outras formas de discriminação”.
Na última sexta-feira (24/5), em entrevista ao Centro de Mídia Alternativa Barão de Itararé, a ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, afirmou que essa ação no Supremo seria importante, diante do risco de judicialização dos resultados do Concurso Nacional Unificado.
“A gente tem uma preocupação jurídica [com o fato de a atual lei perder vigor, sem que a nova já esteja aprovada]. O nosso jurídico acha que o edital feito na vigência da lei não tem problema, mas sabemos que o risco de judicialização é muito grande”, disse Dweck. “Eu vi que houve um grupo de partidos que entrou no Supremo para tentar fazer uma interpretação de que não há o término de vigência da lei. A gente acha isso muito importante porque não sabe se vai conseguir aprovar [o projeto] até o fim da vigência da lei atual. Mas, independentemente de conseguir que [a lei atual] não tenha o fim da vigência, a lei que a gente está discutindo tem muitas coisas importantes de aperfeiçoamento da lei anterior”. (JotaInfo)