Do Estadão -Há um ano e meio como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino mantém vínculos com seu grupo político no Maranhão, onde foi governador. Da capital federal, Dino tem influenciado a ação política de aliados no Estado e a sucessão no Palácio dos Leões, sede do governo maranhense.
Uma decisão de fevereiro contra uma medida do governador Carlos Brandão (PSB), hoje rival de seu grupo, serviu como catalisador na briga pelo poder local, que mobiliza contra os dinistas até um membro da família Sarney que tenta recuperar prestígio.
O ministro é o relator do caso que trata de uma indicação do governador ao Tribunal de Contas do Maranhão (TCE-MA) e deu um voto no processo que discute a eleição da presidência da Assembleia Legislativa, na qual um dos protagonistas é um de seus principais aliados.
Em nota, o gabinete do ministro Flávio Dino afirmou que nenhuma das hipóteses legais para impedimento de magistrado se aplicam ao caso, que os processos foram distribuídos para ele por sorteio e que todas as ações são conduzidas exclusivamente com critérios técnicos (leia mais abaixo). Brandão não quis comentar.
A disputa no Maranhão está concentrada em torno do grupo de Brandão e do grupo dos aliados do ministro, representados principalmente pelo deputado estadual Othelino Neto (ex-PCdoB, hoje no Solidariedade), presidente da Assembleia Legislativa nos dois governos Dino e marido da senadora Ana Paula Lobato (ex-PDT, hoje PSB).
Suplente de Dino no Senado, Lobato ganhou a vaga depois que ele virou ministro da Justiça do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Apesar da condição em que foi alçada ao cargo e de uma atuação discreta na Casa, ela acaba de virar a presidente do PSB no Maranhão, em um movimento que tirou o partido de Carlos Brandão.
Dino e Brandão romperam, após dois mandatos como governador e vice. A briga ganhou escala quando o atual governador indicou para o TCE-MA seu amigo e advogado pessoal, Flávio Costa. A preferência dos dinistas era por Carlos Lula (PSB), deputado estadual e secretário de Saúde no governo Flávio Dino, mas Brandão quis emplacar outra pessoa de sua confiança — um sobrinho, Daniel Brandão, o atual conselheiro presidente do tribunal.
A vaga pleiteada para Costa foi aberta com a aposentadoria antecipada em dez meses do conselheiro Washington Oliveira, em fevereiro. No mês seguinte, ele foi anunciado por Brandão como secretário de Estado da Representação Institucional no Distrito Federal.
O governador já tinha tentado transformar o amigo Flávio Costa em desembargador do Tribunal de Justiça do Estado. Os membros da Corte estadual, entretanto, rejeitaram a indicação dele por falta de comprovação de experiência mínima na advocacia.
O questionamento sobre a escolha de Brandão para o TCE-MA foi levada ao STF pelo Solidariedade, entregue no Maranhão para Flávia Alves, irmã do deputado Othelino Neto. A ação foi protocolada em 28 de fevereiro de 2024, seis dias após a posse de Dino, e a relatoria caiu, por sorteio, justamente para o magistrado maranhense. No dia seguinte, a Procuradoria-Geral da República moveu ação semelhante. O partido apresentou nova ação em fevereiro deste ano. Todas tramitam sob cuidados de Dino.
O argumento apresentado pelo partido político é o de que a indicação do conselheiro não poderia ter se dado em votação secreta. Dino não se declarou impedido e deu a decisão que resultou no travamento da indicação de Flávio Costa.
Dino e o Maranhão
O episódio foi tratado por adversários como uma ajuda direta do ministro a seu grupo político. Governistas afirmam que a Assembleia Legislativa, dona da prerrogativa formal de encaminhar a indicação, adotou o mesmo expediente de quando Dino era governador. O conselheiro Marcelo Tavares foi chefe da Casa Civil do agora ministro e, em 2021, ganhou um assento no TCE-MA.
O processo no STF teve um efeito cascata na briga política. No mês passado, a Assembleia comunicou ao Supremo que promoveu mudanças em seu regimento e que continuar travando a escolha do conselheiro perpetua uma “situação de anormalidade no funcionamento” do TCE-MA, “sem qualquer respaldo jurídico”.
“Tanto a Advocacia-Geral da União (AGU) quanto a Procuradoria-Geral da República (PGR) afastaram a existência de qualquer inconstitucionalidade remanescente, sinalizando, com inequívoca coerência institucional, que o litígio se tornou juridicamente inócuo”, alegou o Legislativo.
Além disso, o Solidariedade mudou de ideia sobre a ação. O recuo ocorreu após mudanças no organograma nacional da legenda que repercutiu nos Estados. O controle do partido no Maranhão passou da irmã de Othelino para o deputado federal Marreca Filho, filho de Junior Filho, atual secretário do governo Brandão.
Há duas semanas, Flávio Dino deu nova decisão. Determinou que a Polícia Federal investigue o caso e mencionou um suposto “esquema de compra de vagas”. Na prática, a decisão de Flávio Dino colocou a PF no rastro dos negócios da família de Carlos Brandão.
A denúncia que motivou a medida levanta suspeitas sobre o uso de holdings familiares do governador e dos irmãos para a ocultação de suposto enriquecimento ilícito. É por meio dessas firmas que eles controlam a Colinas Agropecuária, Indústria e Comércio (Coagri), uma empresa que produz soja e arroz em Mirador e Colinas, cidades no interior do Estado. Flávio Costa faria parte da coordenação dos empreendimentos, de acordo com o documento.
“A família Brandão, aliás, constituiu em 2023 pelo menos três holdings de instituições não-financeiras, com o alegado intuito de blindagem patrimonial, mas que também pode estar servindo para a lavagem de capitais e ocultação de bens adquiridos com recursos desviados dos cofres públicos federal, estadual do governo do Maranhão e municipal da Prefeitura de Colinas”, diz trecho da denúncia considerada pelo ministro.
Conforme revelou o Estadão, o governo do Maranhão vai investir R$ 280 milhões em uma estrada que às margens de lotes em que a Coagri produz soja em Mirador. O investimento, viabilizado mediante empréstimo junto ao Banco do Brasil, ocorre logo após a expansão de lotes dos Brandão no local e benfeitorias privadas dentro das fazendas.
Com os revezes do governador na tentativa de emplacar o amigo no TCE-MA, os dois maiores interessados em travar a indicação levaram o tema ao plenário da Assembleia.
“Alguém há de ter achado que as ADIs [ações diretas de inconstitucionalidade] perderam o efeito por conta da manifestação do Solidariedade. Isso não aconteceu. Depois de protocolada e recebida, não pode mais ser encerrada”, afirmou Othelino.
“Sempre tenho dito que o governador é pessimamente assessorado, sobretudo do ponto de vista jurídico. Não sei se venderam gato por lebre para ele. Ter o controle político do partido (Solidariedade) não vai ter consequência nenhuma em termos práticos para a ADI”, emendou Carlos Lula.
Com os desdobramentos da novela, outro antigo aliado de Flávio Dino entrou em campo para manter a pressão contra o governador. O PCdoB, presidido no Maranhão pelo deputado federal Márcio Jerry, apresentou ao STF, em 9 de julho, um endosso ao processo.
Jerry foi secretário do governo Flávio Dino. Além disso, a esposa do ministro está nomeada no gabinete do deputado. E quando Dino era governador tinha como chefe de gabinete a mulher do deputado Márcio Jerry.
Procurado, o parlamentar lembrou que a ADI partiu do Solidariedade e informou que Daniela Lima, mulher de Dino, trabalha em seu gabinete desde junho de 2022.
A iniciativa do PCdoB atraiu o interesse de outro cacique do Maranhão e escalou a briga causada pela canetada de Flávio Dino. O ex-ministro Sarney Filho (PV), hoje secretário do governo do Distrito Federal, tomou parte na disputa em favor de Carlos Brandão.
Em manifestação ao STF no último dia 14, o filho do ex-presidente José Sarney afirmou que o PCdoB não pode falar em nome da federação PT-PV-PCdoB e que a indicação do governador ao TCE-MA é legítima.
“Todo o processo ocorreu de forma pública e transparente. O TCE-MA encontra-se desfalcado. Essa deficiência compromete o regular exercício do controle externo da administração pública, prejudicando a fiscalização contábil, financeira e orçamentária”, diz o documento assinado por Sarney Filho.
Dino ainda não tomou decisão sobre o ingresso do PCdoB na ação. Procurado, Sarney Filho não quis comentar.
Lobato afirmou que “assumir a presidência do PSB no Maranhão representa a oportunidade de retomar seu papel histórico, defender políticas públicas sólidas e garantir a efetividade de programas sociais, de forma alinhada às causas populares, com diálogo e compromisso com a reconstrução do Maranhão, resgatando prioridades que vinham sendo deixadas de lado”.
Quanto às questões jurídicas, entendo que cabe exclusivamente à Justiça e aos órgãos competentes investigar e julgar. Meu foco permanece em atuar politicamente, ouvindo a população e construindo soluções concretas para melhorar a vida dos maranhenses e brasileiros.
Eleição empatada virou foco da crise
O epicentro da disputa política está na Assembleia Legislativa. Othelino pretendia permanecer à frente da Casa no governo Brandão. Foi superado pela deputada Iracema Vale (PSB), apoiada pelo governador, em uma eleição que terminou empatada e acabou decidida pelo critério de idade.
Apesar de a deputada exercer a presidência da Assembleia, a eleição está judicializada no STF. A relatoria é da ministra Cármen Lúcia, que votou pela legalidade da vitória de Iracema no plenário virtual – quando o julgamento ocorre no sistema eletrônico. Dino não se declarou impedido e votou com a relatora, após a maioria segui-la. Para aliados dele, o voto “contra Othelino” seria uma prova cabal de sua imparcialidade.
Antes do fim do julgamento, entretanto, o ministro Luiz Fux pediu para que o processo vá ao plenário físico, e os magistrados deverão se manifestar novamente.
Iracema Vale se pronunciou sobre a última decisão de Flávio Dino que acionou a Polícia Federal contra a indicação do aliado do governador feita pela Assembleia.
“Primeiro, tentou-se impedir o processo com uma intervenção sem base legal. Agora, o andamento segue sendo postergado por manobras de um partido político que se opõe à escolha legítima da Assembleia Legislativa. Enquanto isso, a Corte de Contas permanece desfalcada, comprometendo o controle das contas públicas e o interesse coletivo. Não é apenas a institucionalidade que está sendo prejudicada, mas o próprio direito da população a um tribunal técnico, completo e funcional”, disse.
O advogado Caio Morau, doutor em Direito pela USP, afirma que a imparcialidade do juiz é um dos pilares do sistema jurídico brasileiro e fundamento do Estado Democrático de Direito. No caso do ministro Flávio Dino, Morau avalia que vínculos políticos, profissionais e familiares com envolvidos em processos sob sua relatoria podem configurar uma situação de suspeição.
“Apesar de a Constituição não impor restrições a figuras oriundas da vida político-partidária para que ocupem o cargo de ministro do STF, invariavelmente, ao exercerem a função na Corte, irão se deparar com a necessidade de julgar matérias que, ainda que de modo indireto, permeiam seu passado político, envolvendo antigos aliados ou mesmo desafetos. Se essas relações políticas do passado ainda ecoam no presente, podendo comprometer a imparcialidade para o julgamento, o mais adequado é que o ministro declare sua suspeição por foro íntimo”, comentou.
O que diz o ministro
Em nota, o gabinete do ministro Flávio Dino afirmou que nenhuma das hipóteses legais para impedimento de magistrado se aplica ao caso e destacou que nenhuma das partes apontou possível suspeição.
“Esclarecemos que critério geográfico de impedimento não existe em relação aos ministros do STF, que julgam normalmente processos com litigantes dos seus Estados de origem, onde naturalmente conhecem pessoas e exerceram outras atividades profissionais em suas vidas anteriores”, frisou.
O gabinete disse que o pedido de apuração à PF também foi apresentado pela Assembleia Legislativa. A equipe do ministro ainda ponderou que a filiação de Othelino Neto ao Solidariedade no Maranhão ocorreu somente após o ajuizamento das primeiras ações judiciais e que a senadora Ana Paula Lobato pertencia ao PDT.
No Estado, porém, o Solidariedade era controlado pela família do deputado desde o início do ano passado. A ação é de 28 de fevereiro de 2024. A irmã dele foi anunciada como presidente estadual da legenda em 1º de março e manteve a pressão judicial contra o grupo do governador.
A nota também ressaltou que a esposa do ministro tem vida profissional própria “e não pode ser proibida de trabalhar”. Em relação ao fato de a mulher de Márcio Jerry, presidente do PCdoB estadual, ter chefiado o gabinete de Dino, a equipe destacou que o vínculo só existiu em 2015.
Em nota, a equipe do deputado Carlos Lula afirmou que as ações mencionadas tratam de normas de caráter geral, voltadas a disciplinar direitos em abstrato, e não de casos concretos.
“Por essa razão, não há qualquer possibilidade de conflito de interesses, já que não se analisam situações individuais, mas regras que podem ter repercussão nacional.
Também destacou que não há paralelo com o caso da nomeação de Marcelo Tavares porque ela ocorreu antes de entendimento consolidado pelo STF em 2023.
“É natural que decisões judiciais provoquem reações divergentes conforme os interesses em disputa, mas é incorreto sugerir motivações políticas ou pessoais”, disse. O deputado Othelino Neto não se manifestou.
Uma resposta
O Supremo Tribunal Federal e todos os seus ministros têm reprovação exorbitante da população. São seres que vivem em realidade paralela e acham que tudo podem. Um exemplo, é o ministro Flávio Dino, o “Rocambole Dus’Inferno”, que julga processos em que seus aliados e amigos têm interesse direto. Além disso Márcio Jerry, que foi secretário do governo Flávio Dino, abriga em seu gabinete a esposa do ministro. E quando Dino era governador tinha como chefe de gabinete a mulher do deputado Márcio Jerry.