• Guerra química no Maranhão

    A história do Maranhão se confunde com a de povos e comunidades tradicionais que, na sua pluralidade, identificam-se como ribeirinhos, quebradeiras de coco babaçu, indígenas e quilombolas. Esses sujeitos coletivos vêm sofrendo diversas formas de violência na luta pela permanência na terra onde têm raízes e histórias construídas, além de moradia e de onde tiram o sustento há gerações.

    A expansão de atividades econômicas, como agricultura, pecuária, mineração, e a construção de infraestruturas, como rodovias e hidrelétricas, incrementam o desmatamento de florestas e outras áreas naturais. O resultado é a perda de biodiversidade, o aumento das emissões de gases de efeito estufa e violência e violação dos direitos humanos.[1]

    É o caso da ampliação da fronteira agrícola denominada de Matopiba – acrônimo das siglas de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Para fins de dominação e integração aos mercados globais, a região foi institucionalizada e formalizou um processo histórico de expansão agrícola deste território do Brasil, desde 1970. Essas bases foram forjadas anteriormente com a violência contra os povos e a natureza. Hoje, as repercussões na montante e na jusante da produção do agronegócio nacional fazem com que o estado maranhense esteja marcado negativamente pela grande e crescente incidência de conflitos agrários e socioambientais.

    Chamamos atenção neste artigo para os impactos da pulverização aérea de agrotóxicos sobre comunidades rurais no estado, um dos cinco que compõem a Amazônia Oriental, junto a Pará, Amapá, Tocantins e Mato Grosso. O Maranhão, especificamente, tem uma área considerável do bioma Amazônia, com 34% do território abrangido por esta floresta tropical. Os chamados “banhos de veneno” podem ser estratégias para expulsar populações inteiras de territórios tradicionais, violência que se insere numa realidade de intensa conflituosidade decorrente da atual política desenvolvimentista adotada na Amazônia brasileira.

    Segundo o levantamento Territórios Vitimados Diretamente por Agrotóxicos no Maranhão, realizado pela Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão (Fetaema), pela Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama) e pelo Laboratório de Extensão, Pesquisa e Ensino de Geografia (Lepeng/UFMA), 231 localidades em 35 municípios foram vitimadas pela pulverização aérea de agrotóxicos por avião e/ou drone em 2024.

    Em meio a diversos tipos de ataque, a aplicação de agrotóxicos por pulverização aérea desrespeita as áreas de produção das comunidades e as residências. Os resultados são intoxicações, inclusive de crianças, gestantes e idosos, perda da produção e fome, interferindo diretamente na qualidade de vida e no bem-estar da população – em especial do trabalhador rural.

    Ainda segundo a pesquisa, o Maranhão está se tornando o segundo maior consumidor do Nordeste e o terceiro da Amazônia legal de diversos produtos – especialmente pela produção de soja, milho e pecuária bovina –, inclusive banidos na União Europeia em decorrência de sua elevada toxicidade – dentre os quais mancozebe, atrazina, acefato, clorotalonil e clorpirifós.

    Os efeitos do modelo produtivo apresentado aqui são sentidos sobretudo em comunidades tradicionais, territórios quilombolas e terras indígenas, em um cenário de apropriação fraudulenta de terras, concentração fundiária, trabalho escravo, desemprego, diferentes formas de violência no campo e um dos mais elevados índices de desigualdades sociais do país.

    Esses mecanismos, violentos e brutais, marcam uma nova fase, orientada pela desnacionalização do Estado. A flexibilização do uso de agrotóxicos permite ao agronegócio avançar na sua estratégia de expulsão, como aconteceu em 2024. Segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), foram aprovados 663 produtos, representando um aumento de 19% em relação a 2023, quando 555 aprovações foram registradas.

    A nova Lei dos Agrotóxicos (14.785/2023), chamada “Pacote de Veneno”, foi aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2023 e sancionada com vetos. O Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Socialismo e Liberdade (Psol), a Rede Sustentabilidade, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar) estão questionando as mudanças no Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7701. Essa lei flexibiliza as regras de controle de agrotóxicos no Brasil e afeta a gestão de agrotóxicos, incluindo registro, controle, fiscalização e reanálise de produtos.

    Os efeitos da ampliação da fronteira agrícola no Maranhão e do uso de agrotóxicos reforçam a dialética inconciliável entre os projetos de desenvolvimento para o Brasil, de modo que a expulsão das comunidades tradicionais não apenas impacta seus modos de vida como abre espaço para a hegemonização do agronegócio.

    Esse processo de mobilização tem produzido novas relações comunitárias, com fortalecimento de laços solidários, formas de organização inovadoras e firmes expressões sobre o pertencimento ao lugar, em um momento conjuntural de ataques sistemáticos contra direitos territoriais estabelecidos em diversas leis e normas.

    Dentre as iniciativas locais de enfrentamento às chuvas de veneno no Maranhão, o monitoramento Territórios Vitimados Diretamente por Pulverização Aérea de Agrotóxicos no Maranhão envolve a participação das comunidades afetadas, que enviam vídeos, fotografias, registros públicos e outras provas da ocorrência da pulverização de agrotóxicos. Essas informações são mapeadas, mês a mês, e encaminhadas a autoridades constituídas para a tomada de providências administrativas e judiciais (civil e criminal). A Fetaema e a Rama, a partir da mobilização pela base, com apoio da Igreja Católica, do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) e de associações, garantiram a aprovação de doze leis municipais que proíbem a pulverização aérea de agrotóxicos por aviões e drones. Ademais, diversas denúncias sobre pulverização aérea de agrotóxicos foram apresentadas por essas organizações junto à ONU e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

    Diogo Diniz Cabral é advogado e mestre em Desenvolvimento Socioespacial e Regional-PPDSR pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

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