Um grupo de 11 estados mais o Distrito Federal apresentou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação contra a lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro que estabeleceu um teto para a cobrança de ICMS sobre combustíveis e energia. O ICMS, que incide também sobre outros produtos, é o principal imposto cobrado pelos estados. Assim, eles alegam que a lei vai ter impacto na arrecadação e, com isso, em serviços prestados à população.
Há hoje no STF outras ações que discutem o valor do ICMS sobre combustíveis. Uma delas está com o ministro André Mendonça, que, este mês, tomou uma decisão que, na prática, obriga os estados a reduzirem a alíquota, atendendo um pedido do presidente Jair Bolsonaro, que busca meios de reduzir a inflação para melhorar seu desempenho na busca da reeleição.
Outras duas estão com o ministro Gilmar Mendes, que ainda não deliberou sobre o assunto. Os estados pedem que a nova ação fique com Gilmar, e solicitam que ele dê uma decisão liminar suspendendo a lei.
“Trata-se de um intervencionismo sem precedentes da União Federal nos demais entes subnacionais, por meio de desonerações tributárias heterônomas, em ofensa às regras de repartição de competências postas na Constituição Federal de 1988, violação da autonomia financeira dos entes subnacionais e ônus excessivo e desproporcional aos cofres estaduais e municipais”, diz trecho da ação.
A ação foi foi apresentada pelos nove estados do Nordeste — Pernambuco, Maranhão, Paraíba, Piauí, Bahia, Sergipe, Rio Grande Do Norte, Alagoas, Ceará —, além de Mato Grosso Do Sul, Rio Grande Do Sul e Distrito Federal.
86% da arrecadação
Eles destacam que, em 2021, o ICMS representou 86% da arrecadação dos estados, e somente o imposto sobre combustíveis, petróleo, lubrificantes e energia significaram quase 30% do montante recolhido por meio do imposto.
A estimativa é que haja uma perda de R$ 86,97 bilhões. Só de gasolina, a cifra chega a R$ 29,134 bilhões. São Paulo, que não integra a ação e é o estado com a maior economia do país, é, em números absolutos, o mais afetado, segundo a ação respondendo por R$ 15,37 bilhões da perda.
“Não se pode admitir que, com tais medidas inconsequentes, os Estados tenham suas contas comprometidas, em prejuízo do custeio da saúde e da educação, que serão os mais afetados quando a arrecadação despencar da noite para o dia, assim como serão impactados os fundos estaduais de combate à pobreza. Isso porque há gastos sociais mínimos obrigatórios, vinculados à receita de impostos de Estados e Municípios, de maneira que a queda dessas receitas poderá afetar diretamente esses e outros serviços à população”, diz trecho da ação.
Na semana passada, Bolsonaro sancionou a lei aprovada pelo Congresso que limita o ICMS sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo. O presidente vetou, porém, a compensação aos estados para manter os mesmos valores de gastos com saúde e educação de antes da sanção da lei.
‘Cortesia a custa dos outros’
Para os estados, “houve a conhecida cortesia ou gentileza às custas dos outros (ou a expressão popular ‘caridade com o chapéu alheio’)”. E acrescentaram: “Enquanto na lenda mítica inglesa de Robin Hood, o ‘Rei dos Ladrões’ tirava dos ricos para dar aos pobres, aqui se fez o contrário: tiram-se receitas da educação e da saúde dos pobres, custeados, sobretudo, com percentuais obrigatórios da receita do ICMS, para garantir ainda mais lucros da rica Petrobrás e da própria União Federal, que recebe substanciais royalties e dividendos de sua principal sociedade de economia mista.”
A diminuição do ICMS pode inclusive afetar repasses federais, argumentaram, dando como exemplo, entre outros, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Funbeb).
“O Fundeb é composto, principalmente, de recursos oriundos do ICMS, e a complementação da União Federal a esse fundo é proporcional ao montante do ICMS arrecadado, com perdas estimadas pelo Comsefaz [Conselho que reúne os secretários de Fazenda estaduais) em torno de R$ 155 bilhões.”
Perdas para a saúde
Os estados também argumentaram que haverá perdas no Sistema Único de Saúde — financiado por estados, municípios e União — e em 16 dos 27 fundos estaduais de combate e erradicação da pobreza.
Segundo os estados, as perdas a esses fundos “são imensas e prejudicam os programas sociais vinculados diretamente a essas receitas”, totalizando, pelos cálculos do Comsefaz, R$ 4,855 bilhões. Em números absolutos, o estado mais prejudicado seria Goiás, que não integra a ação, com menos R$ 1,193 bilhão.
Os estados também avaliaram que a queda de pelo menos 5% no valor global da arrecadação estadual, que é o gatilho previsto na lei para que haja complementação de recursos pela União, é inexequível.
Os estados queriam que os 5% fossem calculados apenas sobre os produtos afetados pelo teto do ICMS. Para piorar, disseram que o presidente vetou alguns trechos do texto, reduzindo ainda mais as possibilidades de ressarcimento.
Os governos estaduais também apresentaram um argumento ambiental, dizendo que a lei é um “equivocado” incentivo ao uso de veículos de passeio, levando a um “maior consumo de combustíveis fósseis e extremamente poluentes”. Representa ainda um “rompimento vergonhoso dos compromissos assumidos pelo Brasil em relação ao combate às mudanças climáticas”. (O Globo)