• Militares tramaram ação em aplicativo e planejavam envenenar Lula, diz Polícia Federal

    A investigação da Polícia Federal que deu origem à operação deflagrada nesta terça-feira (19) descobriu que as cinco pessoas presas (quatro militares e um policial federal) conversavam em 2022 em um aplicativo de mensagens sobre um plano para matar o então presidente eleito, Lula (PT), o vice, Geraldo Alckmin (PSB), e o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Superior Tribunal Federal).

    Documento juntado aos autos pela PF descreve a possibilidade de envenenamento para assassinar o petista.

    O plano previa ‘neutralizar” o presidente e o vice com envenenamento e uso de componentes químicos que pudessem causar um “colapso orgânico” sobre Lula.

    De acordo com esses planos, o assassinato de Lula ocorreria no dia 15 de dezembro de 2022, logo após a diplomação do presidente eleito pelo Tribunal Superior Eleitoral.

    A operação desta terça mira suspeitos de integrarem uma organização criminosa que, segundo as investigações, planejou um golpe de Estado em 2022 para impedir a posse de Lula.

    O petista derrotou o então presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022 após uma acirrada disputa de segundo turno.

    Nesta terça, os alvos da PF são o general da reserva Mario Fernandes, os tenentes-coronéis Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo e o policial federal Wladimir Matos Soares.

    Segundo as investigações que respaldaram o aval de Moraes à operação, os suspeitos se conectavam pelo aplicativo Signal em um grupo nomeado Copa 2022.

    Cada um utilizava como codinome o nome de um país (Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana), de forma a não serem identificados.

    Copa 2022 também é o nome de um documento que o suspeito Rafael Martins Oliveira enviou por WhatsApp ao também militar Mauro Cid, na época ajudante de ordens de Bolsonaro.

    De acordo com a Polícia Federal, em conversa no dia 14 de novembro de 2022, Cid perguntou a Oliveira sobre uma estimativa de gastos relacionados a “hotel, alimentação e material” e sugeriu a quantia de “100 mil”.

    “Além disso, os interlocutores indicam que estariam arregimentando mais pessoas do Rio de Janeiro para apoiar a execução dos atos”, relata a PF. “Mauro diz: ‘Para trazer um pessoal do rio’. Rafael de Oliveira responde: ‘Pode ser preciso também’. Mauro de forma mais enfática afirma: ‘Vai precisar’.”

    Ainda segundo a Polícia Federal, “conforme combinado, no dia 15 de novembro de 2022, o major Rafael Martins Oliveira encaminha um documento protegido por senha intitulado Copa 2022”.

    Pelo teor do diálogo, “seria uma estimativa de gastos para subsidiar, possivelmente, as ações clandestinas que seriam executadas durante os meses de novembro e dezembro de 2022”.

    Inicialmente, diz a PF, o major tentou repassar o documento a partir do aplicativo UNA, utilizado pelo Exército Brasileiro. Depois, encaminhou-o por WhatsApp.

    Já em um HD externo vinculado a Mário Fernandes, general que atuou no gabinete do deputado federal Eduardo Pazuello (PL), foi encontrado um documento de word que, segundo a PF, continha “um verdadeiro planejamento com características terroristas, no qual constam descritos todos os dados necessários para a execução de uma operação de alto risco”.

    “O documento, descrito pela Polícia Federal, traz em formato de tópicos o planejamento de uma operação clandestina, com demandas de reconhecimento operacional a serem realizadas, demandas para preparação e condução da ação, com indicação dos recursos necessários, demandas de pessoal a ser utilizado e condições de execução”, informa Moraes em sua decisão.

    Entre os itens necessários para a operação estavam seis celulares descartáveis com chip da empresa Tim. A ação, de acordo com a decisão do ministro do STF, de fato empregou seis celulares com chips da Tim, todos habilitados em nomes de terceiros e associados a países para evitar identificação.

    Ainda que o plano principal, citado na decisão de Moraes, fosse seu próprio assassinato, documento juntado aos autos pela Polícia Federal indica a possibilidade de ações para o assassinato de Lula e Alckmin “com o objetivo de extinguir a chapa presidencial vencedora do pleito de 2022”.

    Os suspeitos utilizavam o codinome Jeca, que, de acordo com os investigadores, fazia alusão a Lula, enquanto Alckmin era chamado de Joca.

    “O texto cita que ‘sua neutralização abalaria toda a chapa vencedora, colocando-a, dependendo da interpretação da Lei Eleitoral, ou da manobra conduzida pelos 3 Poderes, sob a tutela principal do PSDB’”, diz o documento da PF. PSDB é o antigo partido de Alckmin.

    “Para execução do presidente Lula, o documento descreve, considerando sua vulnerabilidade de saúde e ida frequente a hospitais, a possibilidade de utilização de envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico”, continua o texto, citando que os militares consideravam “neutralizar” também Alckmin.

    A decisão de Moraes cita ainda um quarto alvo, chamado de Juca, citado como “iminência parda do 01 e das lideranças do futuro gov”, de modo que sua neutralização desarticularia os planos da “esquerda mais radical”. A Polícia Federal, no entanto, não conseguiu elementos para identificar quem seria esse alvo.

    O agente da PF Wladimir Matos Soares, também alvo de mandado de prisão, é citado na denúncia como suspeito de ter praticado conduta que, em tese, relaciona-se com a segurança de Lula, auxiliando no planejamento operacional do plano de assassinato.

    ‘Gabinete de crise’

    As investigações da Polícia Federal sobre uma suposta trama golpista identificaram que o grupo alvo de operação da Polícia Federal previsa o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto e o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno no comando de um “gabinete de crise”. Documentos apreendidos pelos investigadores apontam que a ideia era que esse gabinete fosse formado depois que o plano de assassinato do presidente Luis Inácio Lula da Silva fosse executado.

    Um dos documentos relacionados ao general da reserva Mário Fernandes, que foi secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo de Jair Bolsonaro, diz respeito a uma minuta de instituição de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise”.

    “Conforme se observa, O GENERAL HELENO seria o chefe de gabinete, tendo como coordenador-geral o GENERAL BRAGA NETTO. Logo abaixo dos dois mais importantes, o próprio GENERAL MARIO e o CORONEL ELCIO fariam parte da assessoria estratégica”, diz o documento, que lista outros nomes militares de menor patente que fariam parte do gabinete.

    No mesmo documento,  consta a finalidade de instituição do gabinete, as referências legais, a missão, o objetivo, as diretrizes e, por fim, a estrutura organizacional. “O arquivo referente a esse documento tem data de criação em 16 de dezembro de 2022, às 10h43, e modificação no mesmo dia, às 14h06. O último autor é Mário Fernandes’. A data de ativação do gabinete consta como 16/12/2022’, destaca o relatório da PF.

    Armas de guerra

    O plano de assassinar o presidente Lula e o vice, Geraldo Alckmin, previa o uso de um arsenal com alto poderio bélico, descrito em detalhes na decisão do ministro Alexandre de Moraes que ordenou a operação de hoje sobre cinco alvos militares envolvidos na trama. O documento com o plano foi impresso no Palácio do Planalto durante a gestão de Jair Bolsonaro e apreendido pela Polícia Federal com o general Mário Fernandes, cujo nome de guerra era general Mario.

    De acordo com o despacho de Moraes, na lista de armanentos que deveriam ser utilizados pelos golpistas no dia 15 de dezembro – data prevista para o assassinato de Lula, Alckmin e do próprio Moraes, seguido por um golpe de estado – estavam granadas, metralhadoras e pistolas de uso militar. Essas armas foram listadas pelo general Mario no documento que detalha o planejamento da ação, intitulada pelos golpistas de “Punhal Verde e Amarelo”.

    No plano, o general inclui entre as alternativas para matar Lula, Alckmin e até o ministro Moraes uma tática para ‘neutralizar’ os três com o envenenamento em locais públicos e o uso de “remédios” que pudessem causar um “colapso orgânico” sobre o petista.

    Mas o plano também previa uma parte ostensiva, com o uso de armas no monitoramento e no cerco aos alvos do golpe. Para essa tarefa, o general elaborou uma relação em que estão quatro pistolas 9 mm, quatro fuzis de diferentes calibres, uma metralhadora M249, além de um lança-granada 40 mm e um lança rojão AT4. De acordo com o despacho de Moraes, “são armamentos de guerra comumente utilizados por grupos de combate”.

    Fernandes e os outros envolvidos no plano golpista são egressos das forças especiais, a tropa de elite do Exército, especializados em ações em campo aberto, guerrilha e contraguerrilha. São apelidados de kid pretos, por atuarem muitas vezes usando balaclavas dessa cor para esconder o rosto.

    Na lista, fica claro que eles tinham conhecimento técnico e escolheram as armas com funções bastante específicas. Na descrição da PF, a M249 “é uma metralhadora leve altamente eficaz, projetada para fornecer suporte de fogo em combate. A combinação de leveza, taxa de disparo e capacidade de alimentação a torna uma arma estimada em diversas situações táticas”.

    O lança granada, por sua vez, “fornece capacidade de fogo indireto e versatilidade em termos de tipos de munição”. O lança-rojão, “ utilizado principalmente por forças armadas e de segurança para combate a veículos blindados e estruturas fortificadas. É um lançador de foguetes antitanque. munição é um foguete guiado que possui uma ogiva explosiva”.

    O documento de Fernandes, porém, reconhece que a ação era arriscada e considerava a probabilidade de 100% de ocorrência de “baixas aceitáveis”. Ou seja, considerava-se aceitável que todas as pessoas que estivessem na cena do ataque morressem na ação, incluindo seguranças e acompanhantes de Moraes, Lula e Alckmin.

    O general da reserva Mario Fernandes foi alvo em fevereiro da Operação Tempos Veritatis, que executou buscas e ordens de prisão sobre dez militares, incluindo membros da reserva e o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier. Na ocasião, foram presos o coronel Marcelo Câmara e o major das Forças Especiais Rafael Martins de Oliveira.

    As informações sobre o “Punhal Verde e Amarelo” estavam nesse material. Além de Lula e Alckmin, Alexandre de Moraes também seria executado.

    Fernandes, que era funcionário do gabinete do general e deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ), foi demitido da Câmara depois da Tempus Veritatis. Na ocasião, também veio a público que os militares egressos das Forças Especiais, a tropa de elite do Exército, se reuniam em salões de festas de condomínios em Brasília para planejar as etapas do golpe.

    O general da reserva foi ainda um dos articuladores da carta exortando o então comandante do Exército, general Freire Gomes, para aderir ao golpe que impediria a posse de Lula.

    Os outros quatro alvos da operação desta terça-feira também já tinham sido alvo da Tempus Veritatis. Desde aquela época, eles foram afastados de funções de comando – como o coronel Helio Ferreira Lima, que comandava a 3ª Companhia de Forças Especiais em Manaus. Depois de algum tempo, foram autorizados por Alexandre de Moraes para trabalhar no Exército, mas em funções burocráticas, de escritório.

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