Na segunda-feira, 15, durante a abertura do já notório fórum jurídico promovido em Lisboa pela faculdade do ministro Gilmar Mendes, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, voltou a defender a adoção do semipresidencialismo no Brasil. Trata-se de um sistema de governo em que o poder é dividido entre o presidente da República e o primeiro-ministro, escolhido pelo Parlamento. O condestável do Centrão advoga em causa própria. Na prática, é como se Lira quisesse oficializar, num futuro não muito distante, a condição da qual desfruta hoje – superpoderoso junto ao governo de Jair Bolsonaro, ele negocia a partilha de verbas do Poder Executivo, comanda as tratativas para aprovação de medidas de interesse do Planalto e tem o presidente na mão.
Nos próximos dias, Lira se dedicará à manutenção do poder atual de sua caneta. Em meio aos convescotes além-mar, o presidente da Câmara, um dos chefes máximos do Progressistas, antigo PP, deixou claro que tão logo desembarcasse no Brasil iria começar a trabalhar para, digamos assim, contornar a decisão do Supremo Tribunal Federal de suspender a execução do chamado orçamento secreto. Sua disposição de confrontar parte da mais alta corte do país pode ser ilustrada por um diálogo mantido antes da viagem com um aliado de primeira hora, o deputado Hugo Motta, do Republicanos. “Pensam que eu vou perder, mas eu não vou perder essa. Querem deixar (o Orçamento) nas mãos do Executivo? Aí é que vão ver o que vai acontecer”, afirmou, durante uma conversa na residência oficial da Presidência da Câmara, na presença de outros líderes de partidos.
O escandaloso mecanismo de distribuição desenfreada e sem qualquer transparência de verbas públicas ampliou sobremaneira o poder de Arthur Lira, tornando o governo ainda mais dependente dele — e o Congresso quase inteiro devedor de seus favores. Se conseguir manter as emendas de relator, Lira continuará a controlar a distribuição de 11 bilhões de reais em emendas parlamentares, mais do que o orçamento de sete ministérios, como o de Ciência e Tecnologia e Minas e Energia, e quatro vezes o orçamento do Meio Ambiente. Nem mesmo o governo consegue saber com precisão como essa dinheirama é liberada. Não é pública a informação sobre quem está mandando o dinheiro, nem quais são os critérios que determinam o quanto e onde os recursos serão gastos. O que se sabe é que, para conseguir ser agraciado com os recursos, é preciso, segundo definição corrente na Câmara, ser amigo do “rei” Arthur Lira.
Quem o ajuda a controlar o pagamento desses recursos é um time de assessores, muitos dos quais oriundos do gabinete do ex-senador e “líder de todos os governos” Romero Jucá, experts em orçamento e profundos conhecedores dos meandros do Congresso. A engrenagem para a liberação da bolada é azeitada pelo relator do Orçamento, o senador Márcio Bittar, a quem cabe concentrar os pedidos numa planilha só acessada por um grupo restritíssimo de parlamentares. Bittar e Lira tocam de ouvido. O parlamentar do MDB acriano só não bate ponto no gabinete do presidente da Câmara quando não está em Brasília. “Sem dúvida o Arthur Lira acaba exercendo um papel muito maior que o do presidente da República, hoje fragilizado”, atesta o deputado do PSB do Rio Marcelo Freixo, líder da minoria.
A exemplo do ex-presidente Eduardo Cunha, Lira cultiva uma tropa de choque – uma espécie de bancada informal que chama de sua. Além de Hugo Motta, são expoentes dessa turma Fernando Monteiro, do Progressistas de Pernambuco, e Hildo Rocha, do MDB maranhense. Há também operadores sem mandato. É o caso dos ex-deputados Márcio Junqueira, ex-Progressistas e hoje no PROS, e de João Pizzolatti, investigado por participação no petrolão. Do mesmo partido de Lira, Pizzolatti ficou conhecido por ser um dos mais fiéis aliados de José Janene, um dos baluartes do mensalão petista morto em 2010. Na Câmara, o que se diz é que ambos estão para Lira como o ex-deputado do MDB Rodrigo Rocha Loures estava para o ex-presidente Michel Temer. Afastado do cargo em 2017, pelo STF, no rastro do caso Joesley Batista, Loures foi filmado saindo de uma pizzaria em São Paulo, com uma mala com 500 mil reais em dinheiro.
Durante a votação da PEC dos Precatórios na Câmara, o modus operandi de Lira ficou evidente. Para aprovar a proposta que permite ao governo furar o teto de gastos e dar um calote nos portadores de precatórios, a fim de permitir o pagamento do Auxílio Brasil, o Bolsa Família turbinado que Bolsonaro pretende usar como bandeira de sua campanha à reeleição, Lira prometeu cortar o ponto de parlamentares faltosos e ameaçou não pagar as emendas já negociadas em votações anteriores, além de condicionar a liberação de novos recursos ao apoio à PEC. Da Revista Crusoé, leia a reportagem completa aqui.