A Codevasf reconheceu que sofreu prejuízo em um contrato firmado pela Prefeitura de Alto Alegre do Pindaré (MA) com verbas de emenda parlamentar do então deputado e hoje ministro dos Esportes, André Fufuca (PP-MA). A prefeitura é comandada pelo pai dele, Fufuca Dantas.
Apesar de reconhecer a irregularidade, a companhia não comunicou nenhum órgão de controle ou de investigação. A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) é um órgão vinculado ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
A companhia constatou irregularidades após a imprensa revelar contratos da prefeitura com a empresa de um jovem suspeito de comprar votos para Fufuca. O UOL mostrou em maio que a cidade maranhense fechou ao menos 12 acordos e quatro aditivos com a Projeplan, que em seis anos teve três proprietários com idade igual ou inferior a 25 anos, entre eles Caio Rubens Vieira da Silva.
Um dos convênios foi firmado com verba de uma emenda parlamentar indicada à Codevasf por André Fufuca em 2020. O valor total da emenda, de R$ 2,87 milhões, foi repassado à Codevasf em 29 de dezembro daquele ano. O contrato, para melhoria de estradas na região, foi fechado dois dias depois, com previsão de encerramento das obras até o fim de 2024.
A licitação inicial previa um gasto de R$ 1,9 milhão, que depois foi reajustado para o valor da emenda, R$ 2,87 milhões. Segundo a Codevasf, a obra foi concluída com mais de um ano de antecedência, ainda no ano passado. No entanto, a companhia identificou em dois pareceres técnicos (um financeiro e um de engenharia) que a verba usada foi maior do que o necessário, isto é, causou um dano financeiro.
O valor do prejuízo apurado pela Codevasf é de R$ 511 mil. Isso equivale a 18% do total do convênio, de R$ 2,87 milhões. Segundo a Codevasf, a própria prefeitura reconheceu o prejuízo.
Acordo para pagar, mas sem comunicação a outros órgãos
Em nota enviada à reportagem, a Codevasf afirmou que a prefeitura reconheceu a dívida e negociou para devolver os recursos de forma parcelada. A prefeitura também estaria adotando providências para “anular qualquer ato administrativo ilegal e de cobrar valores pagos indevidamente à empresa executora da obra”, diz a companhia.
A companhia, porém, não comunicou ao Ministério Público Federal nem à Polícia Federal sobre o ocorrido. Mesmo com o eventual pagamento do prejuízo, as irregularidades poderiam também ser apuradas por outras autoridades para checar eventuais crimes como fraude à licitação e desvio de dinheiro, e levar a punições para as pessoas envolvidas na contratação.
O acordo com a prefeitura mostra uma mudança de postura da Codevasf. A companhia chegou a alertar o prefeito que iria comunicar as autoridades, como o Ministério Público Federal e a Advocacia-Geral da União, caso as suspeitas de irregularidades no convênio não fossem esclarecidas.
A companhia fez o primeiro contato com a prefeitura em dezembro de 2023 e, passados 45 dias, voltou a cobrar explicações, sem resposta. Suspeitas vieram à tona após reportagens mostrarem que o contrato da prefeitura com a empresa Projeplan, com valor inicial de R$ 1,9 milhão, foi reajustado em 46% para R$ 2,87 milhões sem que a Codevasf fosse informada.
Comunicamos que, após o decurso do prazo estipulado neste ofício, sem que haja saneamento das pendências apontadas no convênio, o concedente procederá, de ofício, ao envio de comunicação aos Ministérios Públicos Federal e Estadual, bem como à Advocacia-Geral da União.
documento enviado a Fufuca Dantas, assinado pelo Superintendente da 8ª Regional da Codevasf, que atende o estado do Maranhão, Clóvis Luiz Paz Oliveira, em 25 de março e que dava o prazo final de 45 dias para ele responder
Passado o prazo de 90 dias do primeiro contato da Codevasf, sem obter resposta, o caso foi encaminhado para as áreas técnicas. Após os pareceres, documentos internos indicavam que o procedimento iria seguir para a instauração de uma Tomada de Contas Especial, uma fiscalização que é conduzida pelo TCU (Tribunal de Contas da União), em paralelo à comunicação feita aos outros órgãos de controle.
Encaminhe-se à unidade contábil, visando a emissão de parecer financeiro e posterior instauração de Tomada de Contas Especial.
Ofício interno do chefe de gabinete da Superintendência Regional da Codevasf no Maranhão, Eduardo Madeira Rodrigues, em 29 de maio, após ter passado o prazo final do ofício de março.
À reportagem, porém, a Codevasf revelou que não comunicou o Ministério Público Federal pelo fato de a prefeitura ter reconhecido o débito.
A instauração de Tomada de Contas Especial é medida de exceção, que deve ocorrer depois da adoção de medidas administrativas que visem à elisão do eventual dano, conforme estabelece a Portaria nº 1.531/2021 da Controladoria-Geral da União (CGU).
resposta da Codevasf ao UOLA comunicação (ao MPF e Ministério Público Estadual) ocorre em concomitância com a abertura de Tomada de Contas Especial, o que não ocorreu até o momento em razão de a prefeitura ter comunicado, via ofício, o reconhecimento dos débitos apontados pela Codevasf.
resposta da Codevasf ao UOL
À época da divulgação do caso, em maio, a assessoria de André Fufuca afirmou ao UOL que não cabia ao ministro “emitir opinião sobre assuntos que dizem respeito às atividades da Prefeitura de Alto Alegre do Pindaré”.
Procuradas, a Projeplan e a Prefeitura de Alto Alegre do Pindaré não se manifestaram.
Na mira da PF
A empresa contratada para as obras de melhoria pertence a um jovem que responde a um inquérito na PF por suspeita de compra de votos para Fufuca em 2018. Caio Rubens Vieira da Silva, hoje com 24 anos, foi flagrado na época pela Polícia Federal no interior do Maranhão com santinhos do então candidato a deputado federal André Fufuca e um saco de dinheiro na véspera da eleição.
O inquérito se arrasta até hoje na PF do Maranhão. Enquanto isso, como revelou o UOL, a Projeplan, fundada em 2018, fechou contratos que somam pelo menos R$ 9,7 milhões somente com a Prefeitura de Alto Alegre do Pindaré, para obras de manutenção de prédios municipais, construção de unidades habitacionais e melhorias nas estradas da região.
Caio Rubens assumiu a empresa em 2021. Com amplo leque de obras e capital social de R$ 600 mil, a Projeplan foi fundada por uma beneficiária do Bolsa-Família e auxílio-emergencial durante a pandemia. Depois disso a empresa mudou de mãos duas vezes, chegando ao atual proprietário. (UOL)