O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a 27 anos e 3 meses de prisão, pode progredir para o regime semiaberto a partir de cerca de 6 anos de cumprimento de pena.
O julgamento de Bolsonaro e outros sete acusados de trama golpista terminou na última quinta-feira (11). Ainda cabem recursos da decisão.
Os réus foram condenados pelos crimes de golpe de Estado, organização criminosa armada e abolição violenta do Estado democrático de Direito.
Com exceção de Alexandre Ramagem, cuja ação penal foi suspensa em parte pela Câmara, eles também foram condenados por dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
A decisão sobre onde Bolsonaro deverá cumprir pena cabe a Alexandre de Moraes, relator do caso. O ministro deve determinar o local após o fim do processo, quando não houver mais recursos disponíveis.
Pela Lei de Execução Penal, a punição é aplicada de forma progressiva, com a transferência para o regime menos rigoroso quando o alvo tiver cumprido uma parte dela.
Os réus da trama golpista devem cumprir 16% ou 25% da pena para solicitar a ida ao semiaberto, segundo especialistas.
Mauricio Dieter, professor de criminologia da USP, diz que a diferença é que a fração de 25% é aplicável aos crimes praticados com violência, incluindo organização criminosa, abolição violenta do Estado de Direito, golpe e dano qualificado.
Segundo ele, mesmo as penas de detenção, que normalmente são cumpridas em regimes mais brandos, começam em regime fechado em razão da unificação das penas e da presença de crimes que exigem regime fechado.
Assim, considerando a pena total de Bolsonaro de 27 anos e 3 meses, chega-se a 9.945 dias. Aplicando o percentual de 25%, o resultado é de 2.486 dias, equivalentes a aproximadamente 6 anos e 10 meses de cumprimento antes da progressão.
O advogado criminalista Renato Vieira, doutor em direito processual penal pela USP, também afirma que o percentual deve ser aplicado sobre a soma das penas, porque é o total da condenação que determina a progressão de regime.
Ele ressalva, no entanto, que esse raciocínio pode gerar uma distorção, já que o cômputo unificado pode incluir delitos sem violência ou grave ameaça. Ao aplicar o percentual mais alto, dificulta-se a progressão geral.
Conforme explica Helena Lobo da Costa, professora de direito penal da USP, no caso do ex-presidente, a incidência das porcentagens deveriam depender do tipo de pena a qual o réu foi condenado.
“O crime de deterioração de patrimônio tombado não traz a violência ou grave ameaça como elementos, razão pela qual eu entendo que teria de ser aplicado o percentual de 16%”, afirma ela.
“Para os demais, como envolvem violência ou grave ameaça, aplica-se 25% —inclusive para a organização criminosa armada, que exige o emprego de arma de fogo, o que caracteriza, a meu ver, ameaça.”
Por essa lógica, o aplicável seria o percentual de 25% sobre a pena de 22 anos e 3 meses, resultante dos crimes de golpe, abolição e organização criminosa. A isso se somaria o percentual de 16% relativo ao crime de deterioração sob a pena de 2 anos e 6 meses.
Convertendo em dias, 22 anos e 3 meses equivalem a 8.120 dias. Aplicando 25%, chega-se a cerca de 5 anos e 7 meses. Sobre a pena de deterioração, 16% corresponde a pouco menos de 5 meses adicionais.
Essa interpretação desconsidera a condenação pelo crime de dano qualificado, cuja pena foi de 2 anos e 6 meses de detenção, por esta pena não admitir o regime inicial fechado.
Sem o crime de dano qualificado na conta, o total chega a 6 anos. Com ele, ou seja, adicionando um percentual de 25% (por causa da qualificadora de violência) sobre os 2 anos e 6 meses, daria perto de 6 anos e 7 meses.
A progressão de regime ainda depende de fatores como bom comportamento e remição —redução da pena por meio de trabalho ou estudo—, o que pode antecipar a passagem para um regime mais brando.
Redução de penas
As defesas dos oito réus condenados na ação da trama golpista já preparam estratégias para explorar brechas nos votos do ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e atacar o cálculo final das penas. Sem perspectiva de que haja uma mudança na posição dos magistrados sobre a culpa, a principal frente será minimizar danos. Se o esforço for bem sucedido, o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e três meses de prisão, e os demais responsáveis por uma tentativa de golpe de Estado poderiam ficar menos tempo na prisão e progredir de regime de forma mais rápida.
O plano será colocado em prática a partir da apresentação dos embargos de declaração, que buscam esclarecer trechos da sentença do colegiado.
Entre os oito condenados, sete réus cumprirão pena em regime fechado, pois tiveram penas estipuladas entre 16 anos e 27 anos de prisão — a partir de oito anos, o réu é encarcerado para cumprir pena. Apenas o delator Mauro Cid recebeu pena em regime aberto, definida em dois anos.
Sequelas da facada
Uma frente dos defensores será atacar a dosimetria das penas. Para alguns, os ministros se manifestaram de forma subjetiva no momento de definir o tamanho das punições. Boa parte dos advogados também deve apelar para que o cumprimento ocorra em prisão domiciliar sob o pretexto de problemas de saúde e idade avançada de parte dos réus condenados.
É o caso da defesa de Bolsonaro. O advogado Paulo Bueno já avisou que deve protocolar uma solicitação para que o ex-presidente seja mantido em sua casa, em Brasília. Isso ocorrerá após a publicação do acordão, a formalização da decisão, em até 60 dias.
Conforme informou a colunista Malu Gaspar, as sequelas da facada que Bolsonaro sofreu em 2018 vão basear o pedido de prisão domiciliar. De acordo com aliados do ex-presidente, a grande preocupação dos médicos é que ele possa sofrer alguma aderência no intestino, o que é comum em casos como o dele. Em abril, o ex-presidente foi internado às pressas, no Rio Grande do Norte, por essa obstrução. Foi a sétima cirurgia após a facada.
A explicação dada pelos médicos à família e aos advogados de Bolsonaro é que, nesses casos, o risco de novas aderências é alto e, quando acontecem, a transferência para uma unidade hospitalar tem que ser rápida.
Ainda de acordo com a colunista, os advogados alegam que sua situação de saúde é mais grave do que a de Fernando Collor, ex-presidente preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em processo da Lava-Jato, que teve a prisão domiciliar autorizada por Alexandre de Moraes. O ministro acatou o pedido para que Collor ficasse preso em seu apartamento em Maceió em razão de Mal de Parkinson e apneia do sono.
Atualmente, a legislação autoriza a prisão domiciliar para detentos que já se encontram no regime aberto ou quando se trata de uma prisão preventiva — antes, portanto, da condenação. Apesar da lei não trazer previsões expressas para condenados ao regime fechado com problemas de saúde, caso de Bolsonaro, tribunais aceitam excepcionalmente a concessão da medida, como ocorreu com Collor.
— O que se precisa demonstrar é que seria impossível dar o tratamento adequado no regime fechado. Acaba sendo feito conforme a situação de cada um — diz o advogado criminalista João Vicente Tinoco, professor da PUC-Rio.
O professor de Direito Penal da FGV-Rio, Thiago Bottino, avalia que o histórico de saúde de Bolsonaro pode favorecer na concessão do benefício:
— Ele já tem mais de 70 anos. Não deve ser difícil demonstrar a questão da doença, pois ele já se submeteu a várias cirurgias de urgência. Dados a esses episódios, é mais fácil para a defesa justificar.
Dosimetria na mira
No caso das penas, há questionamentos das defesas, por exemplo, sobre a definição de “agravantes e atenuantes”, que prevê aumento ou diminuição a partir das circunstâncias e da conduta do réu.
Na hora de votar pela condenação, o ministro Flávio Dino apontou que houve uma participação de “menor importância” dos generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e do deputado Alexandre Ramagem, que acabaram sendo condenados a penas entre 16 e 21 anos. Isso deve ser explorado pelos advogados em embargos. A defesa de Bolsonaro também deve buscar pena menor.
— Já vemos algumas omissões, como a questão de organização criminosa armada. Não havia armas — diz Bueno.
Matheus Milanez, defensor do general Augusto Heleno, afirmou que deve entrar com embargos de declaração apontando que algumas teses da defesa não foram analisadas pelos ministros. Com esse tipo de recurso, o principal objetivo será apontar supostas inconsistências no cálculo feito por Moraes e endossado pelos colegas.
Já a apresentação de embargos infringentes, instrumento com pouca chance de ser admitido, busca forçar uma reanálise do mérito do caso e levá-lo ao plenário do STF, com 11 ministros. Desde o início do processo, advogados sustentam que a turma não é o foro adequado para o caso. Advogados admitem que é remota a chance de os embargos infringentes prosperarem. Isso porque há um entendimento consolidado do STF de que não é possível admiti-lo com um placar de 4 a 1 ou unanimidade na condenação dos réus. Seria preciso a divergência de pelo menos dois magistrados para o recebimento do recurso.
Durante o julgamento, Bolsonaro e mais cinco foram condenados por 4 a 1, com divergência levantada por Luiz Fux, que votou pela absolvição de todos os crimes desses acusados. Em dois placares de 5 a 0, Fux votou pela condenação do general Braga Netto e Mauro Cid pelo crime de abolição do Estado Democrático de Direito.
A Corte já rejeitou trâmite de embargos infringentes contra decisão de turmas apontando que deveria haver ao menos dois votos em favor do réu para permitir o tipo de recurso. A regra surgiu em 2018, no processo de condenação de Paulo Maluf.
O prazo para apresentação deste tipo de embargo é 15 dias após a publicação do acórdão. Mesmo assim, os advogados se baseiam no texto do Regimento Interno do STF para fazer o pedido. O advogado Demóstenes Torres, que defende o almirante Almir Garnier, afirmou que irá usar “tudo o que for possível” para reverter a condenação, inclusive os embargos infringentes.
— O regimento interno permite. Se eles não quiserem, que digam que não cabe. Mas, regimentalmente, cabe — disse Demóstenes.
O advogado Eumar Novacki, que representa o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, foi na mesma linha.
Se os embargos forem rejeitados e não houver outros recursos cabíveis, a decisão da Primeira Turma transitará em julgado, momento em que se esgotam as possibilidades de contestação. A partir de então a condenação se torna definitiva e Bolsonaro e os outros sete réus podem começar a cumprir pena. Como informou o colunista Lauro Jardim, todo esse processo deve ocorrer em cerca de 30 dias.