Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, defende o bloqueio de R$ 3,4 milhões nas contas do Fundo Municipal de Saúde de Coelho Neto (MA). Após apuração de irregularidades que resultaram na destinação indevida de recursos públicos, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação para bloquear os valores recebidos indevidamente pelo município.
Acolhendo o pedido do MPF, a Vara Federal de Caxias (MA) bloqueou os valores, mas a decisão foi revertida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), após recurso do município. Contra essa decisão, o procurador-geral da República ajuizou a Suspensão de Tutela Provisória (STP) 927, que não foi conhecida pela relatora do caso, ministra Rosa Weber. Na decisão, a ministra alegou ilegitimidade do MPF para a medida e apontou a natureza infraconstitucional da matéria.
Em recurso apresentado nessa quinta-feira (26), Augusto Aras defende a legitimidade do MPF argumentando que a Lei 8.437/1992 – norma que trata da concessão de medidas cautelares contra atos do poder público – não pode ter interpretação restritiva “a ponto de impossibilitar o manejo do instituto por quem foi expressamente legitimado pela lei”. Segundo ele, o entendimento usado pela relatora, de que a norma exclui as demandas em que o poder público estiver no polo ativo da ação, não pode ser aplicado ao caso.
Isso porque, de acordo com a Lei 8.437/1992, o incidente de contracautela (pedido de suspensão de liminar) é instrumento processual autônomo, de uso excepcional, franqueado às pessoas jurídicas de direito público e ao Ministério Público. A norma ainda estabelece que esse instrumento tem a finalidade de promover a suspensão de decisões judiciais não definitivas capazes de causar grave risco de lesão à ordem, à saúde, à economia ou à segurança pública.
Nesse sentido, o PGR pontua que o objetivo do instituto é salvaguardar os interesses públicos primários ameaçados pela possibilidade de execução provisória de uma decisão judicial ainda não definitiva, mas apta a impor ônus excessivo aos interesses defendidos pelo poder público. E destaca que o Ministério Público Federal é o autor da ação cautelar na qual foi dada a decisão questionada e também de ação civil pública ajuizada posteriormente no caso.
Em outro ponto do recurso, o procurador-geral destaca que, além de atuar como parte, o Ministério Público também atua como guardião da lei e do ordenamento jurídico, bem como defensor dos direitos da sociedade. Nessa linha, Aras sustenta que a atuação da Procuradoria-Geral da República como parte requerente da contracautela ajuizada perante o STF “não pode ser obstada em razão da posição que o Ministério Público ocupa na demanda subjacente”. E acrescenta que a sua iniciativa não está relacionada com a defesa de prerrogativas institucionais ou interesses próprios, mas “com o cumprimento de sua missão constitucional de promoção e resguardo dos valores e direitos fundamentais”.
Natureza infraconstitucional – Augusto Aras também questiona o entendimento de que a matéria tem natureza infraconstitucional, o que impediria a admissibilidade do pedido. Nesse ponto, o PGR aponta que o tema do caso em análise – recebimento e aplicação de recursos públicos destinados à saúde – engloba princípios da Administração pública, especialmente a legalidade, a moralidade e a probidade, além do direito fundamental à saúde, todos previstos na Constituição Federal.
Para o procurador-geral, as irregularidades que resultaram na destinação indevida de recursos públicos são incompatíveis com a ordem constitucional vigente e com graves prejuízos para a saúde local e para a sociedade municipal. “O exame do pleito, portanto, encontra fundamento diretamente no texto constitucional e prescinde da análise de elementos fáticos ou probatórios, de forma que se encontra configurada a competência desta Corte Suprema para o caso”, afirma.
Entenda o caso – A partir de informações da Controladoria-Geral da União, do Tribunal de Contas da União, do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão e da análise do site do DataSUS, foram constatadas irregularidades no recebimento de recursos pelo município de Coelho Neto (MA). A apuração também aponta indícios de inserção de dados falsos nos sistemas do SUS em 2021, o que ensejou significativo aumento de verba repassada por emenda parlamentar em 2022.
Diante dos fatos, a Procuradoria da República no Município de Caxias ajuizou ação de tutela cautelar para bloquear os valores recebidos indevidamente pelo município. Como o bloqueio de R$ 3,4 milhões não surtiu efeito, o MPF requereu o bloqueio das demais contas de titularidade do Fundo de Saúde do Município. O pedido foi parcialmente deferido. O município recorreu e obteve efeito suspensivo com a determinação do imediato desbloqueio dos valores. Após a decisão, foi ajuizada a STP 927.
Íntegra da manifestação na STP 927