Apesar de emplacar um aliado no Supremo Tribunal Federal (STF), o Palácio do Planalto avalia que a chegada de Flávio Dino à Corte trará consequências para a administração petista na arena das redes sociais. Auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitem reservadamente que o retorno ao Judiciário do líder da “tropa de choque digital” do governo representará a baixa de um importante “soldado”, sem que haja um substituto claro para assumir esse papel.
No entorno do petista, não há dúvidas de que a saída de Dino da política deixará um flanco na defesa pública da gestão Lula e no próprio engajamento do governo nas redes sociais, dominada em boa parte pela direita bolsonarista na seara política, segundo o Índice de Popularidade Digital (IPD) elaborado pela Quaest.
“Não temos um substituto à altura do Dino. Ele é uma espécie de porta-voz do governo que vai deixar um vácuo quando vestir a toga do STF”, admite um integrante do primeiro escalão da administração lulista. “É como um time de futebol que vai para o jogo sem um dos seus maiores craques. Todo mundo vai ter de dar mais um pouquinho de si. Cada um dos ministros vai ter de falar um pouco mais para preencher esse espaço”.
O atual ministro da Justiça é hoje o segundo membro do governo Lula com mais seguidores nas redes sociais (1,2 milhão apenas no X, ex-Twitter), atrás apenas do titular da Fazenda, Fernando Haddad, que conta com o recall da candidatura presidencial em 2018. Mas, entre todos os membros da Esplanada, Dino é o que mais se destaca nas trincheiras digitais.
O levantamento da Quaest é atualizado diariamente leva em conta dados coletados no X, Facebook e Instagram que são processados por um algoritmo que estipula a popularidade digital de determinada personalidade em uma escala de 0 a 100. Lula, por exemplo, pontua 29,75 – muito atrás do ex-presidente Jair Bolsonaro, que marca expressivos 70,95.
Após o ministro submergir em função da indicação para o Supremo, Haddad assumiu a liderança em popularidade digital da Quaest com 19 pontos, pouco à frente dos 17,65 de Dino, em meio à aprovação de pautas relevantes para o governo como a reforma tributária – mas sem demonstrar o mesmo fôlego do colega da Justiça nas redes.
“Haddad já ocupou o espaço de destaque depois que assumiu a frente da interlocução com os outros poderes para fazer avançar a agenda econômica. Ele tem tido muito sucesso nesse sentido. Mas o espaço de embate digital não parece ser a prioridade para ele”, avalia Felipe Nunes, diretor da Quaest e cientista político.
“A principal agenda do governo deste ano ficou nas mãos do Ministério da Fazenda. Me parece natural que Haddad tenha terminado o ano em primeiro.”
Ao longo de boa parte de 2023, Dino se manteve na liderança do índice entre os integrantes do gabinete de Lula e se destacou na defesa enfática da democracia e da punição aos responsáveis pelos ataques golpistas de 8 de Janeiro. Sua postura incisiva e debochada em audiências convocadas pela oposição bolsonarista no Congresso Nacional também rendeu memes que o comparavam a super-heróis da Marvel.
Para compensar sua saída, na avaliação de Nunes, o governo Lula não poderá depositar as fichas em um único ministro e dependerá, acima de tudo, de disciplina. O cientista político, porém, arrisca qual dos auxiliares de Lula tem condições de liderar o processo.
“Na minha avaliação, o principal candidato para ocupar o lugar de Dino, é o ministro Paulo Pimenta [Secom], que tem perfil e potencial para liderar os embates digitais com a bolha bolsonarista. O ministro Alexandre Padilha [Relações Institucionais] e o vice-presidente, Geraldo Alckmin, também têm conseguido crescer nas redes”, observa o diretor da Quaest.
“Porém, comunicação de rede só é efetiva se funciona como uma guerrilha: com liderança clara, com organização e capilaridade. Pimenta é quem tem o perfil e o potencial para liderar esse time, mas que vai ter que contar com bons artilheiros”.
Entre os integrantes potenciais deste time, ainda segundo Felipe Nunes, estão o líder do governo no Congresso, o senador amapaense Randolfe Rodrigues (sem partido, a caminho do PT), a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PT-PR), e o deputado federal André Janones (Avante-MG).
Destes, apenas Janones figura entre os dez parlamentares líderes em popularidade digital da Quaest. O deputado atuou como consultor de redes sociais da campanha de Lula em 2022, quando abriu mão da própria pré-candidatura presidencial para apoiá-lo.
Na época, como publicamos no blog, houve uma disputa aberta no time do petista pela estratégia eleitoral nas redes – que se mostrou um calcanhar-de-aquiles para a esquerda e o PT nos últimos ciclos eleitorais. A dependência em torno de Dino mostra que pouca coisa mudou desde então.
As prioridades do governo na internet também já renderam faíscas dentro da base aliada. Janones, por exemplo, já criticou duramente a política de comunicação da gestão petista, o que aumentou a resistência de setores do PT à estratégia que o deputado adota em suas redes.
Em junho, chegou a declarar que o governo estava repleto de “analfabetos digitais”. Paulo Pimenta, chefe da Secom, reagiu afirmando que o governo não faria uma política de “lacração” digital. O parlamentar do Avante é conhecido por provocar parlamentares bolsonaristas nas redes, muitas vezes com ataques diretos.
Apesar do ocaso vivido por Janones, alvo de dois inquéritos que apuram a suposta prática de rachadinha no seu gabinete da Câmara dos Deputados, o parlamentar permanece na liderança absoluta do IPD da Quaest entre os congressistas brasileiros com um índice de 75,18.
Já Gleisi tem exaltado frequentemente agendas do governo nas redes, como o reajuste do salário mínimo e a redução no desmatamento na Amazônia, além de defender Lula de críticas nas redes sociais, como no episódio em que o Brasil anunciou seu apoio a uma ação da África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça em meio à guerra em Gaza.
Por outro lado, a presidente do PT também já aproveitou seus perfis para criticar indiretamente a equipe econômica, e não economizou críticas à meta do déficit zero encampada por Haddad.
A julgar pelos predicados dos próprios aliados, a tarefa para reorganizar a “guerrilha” digital de Lula não será fácil.
O processo também é dificultado pelas circunstâncias da saída de Flávio Dino do governo, já que a natureza do ofício de ministro do Supremo o impedirá de defender Lula e sua gestão após sua posse, marcada para o próximo dia 22.
Atualmente, apenas cinco dos 11 ministros do STF têm contas nas redes sociais: Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, André Mendonça e Kassio Nunes Marques. Os dois primeiros já elogiaram a escolha de seus apadrinhados por Lula, como o próprio Dino e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, mas costumam adotar um tom mais institucional, distante das paixões políticas.
Já Barroso desempenhou um papel ativo quando esteve à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante os ataques do então presidente Jair Bolsonaro à integridade das urnas eletrônicas, mas reduziu sua atuação digital. Mendonça, por sua vez, divulgou no X uma mensagem em defesa dos reféns do Hamas em Gaza, como relatamos no blog, mas não atualizava seu perfil desde 2022. Nunes Marques nunca publicou mensagens em sua conta.
Dino assumirá a vaga de Rosa Weber, magistrada conhecida pela discrição, e chegará à Corte com perfis nas três principais plataformas do Brasil: Facebook, Instagram e X. Para Felipe Nunes, da Quaest, é esperado que o futuro ministro do Supremo “passe a falar mais nos autos do que nas redes”.
“Seus posicionamentos públicos devem passar a ser menos frequentes e cuidadosos, mas ele carregará com certeza seus valores e visão de mundo para a atuação no STF. Até mesmo por coerência, quando estimulado, vai se posicionar”, aposta.
O perfil atuante de Dino no campo digital foi inclusive objeto de questionamentos durante a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado Federal, em dezembro. O senador Sergio Moro (União Brasil-PR) o indagou se ele pretendia manter o perfil nas redes sociais após tomar posse no STF, caso sua indicação fosse aprovada.
“É claro que eu deixo a vida política em todas as dimensões, inclusive nas redes sociais. Evidentemente, não opinarei politicamente sobre temas políticos, porque isso é absolutamente incompatível. Pretendo, quem sabe, manter as redes sociais”, disse Dino na ocasião.
“A princípio, acho que temas jurídicos são bem-vindos e também eu preciso de um lugar para falar do Botafogo e do Sampaio Correia. No caso do Botafogo, eu preciso dizer em algum lugar que um time que lidera o Campeonato Brasileiro com 20 pontos não tem direito de ficar em quinto lugar”, ressaltou.
Tudo que o governo Lula não quer é, com Dino fora de campo, repetir o desempenho do Botafogo. (O Globo)