Pré-candidato do PC do B à Prefeitura de São Paulo, Orlando Silva, 49, simboliza a ruptura na tradição do partido de se coligar com o PT nas eleições da capital.
“O Lula foi um extraordinário presidente, mas nós temos que olhar para a frente”, afirma à Folha o deputado federal. “A esquerda precisa ser mais humilde”, segue, ecoando uma crítica ao PT feita pelo rapper Mano Brown em 2018.
Baiano que mora há 28 anos na cidade e já foi vereador, Orlando pretende enfatizar na campanha deste ano a bandeira do antirracismo e o combate a problemas da periferia. Diz também querer desmistificar o comunismo.
“Quero levar a indignação de quem convive com o racismo estrutural porque já sentiu na pele tudo o que o negro sente. São Paulo precisa ser uma cidade menos desigual e que dê chance ao povo pobre.”
Pretende fazer uma campanha voltada a questões locais ou mais nacionalizada, com ênfase na oposição ao presidente Jair Bolsonaro? São Paulo é uma cidade-estado, o maior colégio eleitoral do país, o que faz com que o interesse nacional repercuta sobre a vida do município, e vice-versa. Isso dá dimensão nacional à disputa, mas há que se fazer um enfrentamento levando em conta a realidade local.
E o que a realidade local apresenta? Decidi que meu partido deveria ter candidato no segundo turno da eleição de 2018, quando vi Mano Brown falar que, se [um partido] deixou de entender o povão, já era. Se não falar a língua do povo, vai perder de novo. Ali passei a refletir: temos que aprender com o povo.
A esquerda precisa ser mais humilde. Perceber que derrotas, quando nós as sofremos, deixam lições. É preciso se reconectar com o povão.
Como se reconectar? Desde 2016 se fala que a sociedade está polarizada, mas a impressão que tenho é que é mais militante de um lado e do outro, enquanto o povão mesmo fica olhando o cenário. Daí a necessidade de estruturar um projeto político popular renovador para a cidade de São Paulo.
O sr. vai dialogar com os eleitores de Bolsonaro e buscar os votos deles? As pesquisas mostram que bolsonaristas são 15%, no máximo 20% do eleitorado. Mas tem gente que ainda observa Bolsonaro com simpatia porque não vê alternativas e, ao mesmo tempo, não quer voltar ao passado.
A esquerda tem que pisar no barro, ouvir o povo, reelaborar programa e, com muita humildade, trilhar um caminho novo. Temos que voltar a fazer trabalho de base, preocupar menos com lacração na internet e mais com a organização do povo.
Comunidades religiosas pentecostais e neopentecostais, com grande penetração na periferia, têm a ver com respostas a problemas. Em vez de atacá-las, deveríamos aprender com elas e resgatar o que foram marcas dos movimentos progressistas, como mutirões, iniciativas populares de saúde e de creche.
Essa será a proposta da sua campanha? Falo em tirar energia e criatividade da periferia porque é de onde eu vim. Precisamos olhar para ela como o lugar da potência, não da carência. Nasci num bairro periférico de Salvador, estudei em escola pública, usei unidade básica de saúde. Quero levar para a campanha a indignação de quem conhece os problemas do povo de viver, não de ouvir dizer.
Como essas pautas podem se converter também em apoio da classe média, da elite? Em estratos médios e mesmo nos altos, quem tem capacidade crítica se comove com o drama da realidade na periferia e se mobiliza para apoiar um projeto que coloque foco em ajudar primeiro quem mais precisa.
É um discurso próximo do de Jilmar Tatto (PT) e Guilherme Boulos (PSOL), ambos do campo da esquerda. O Tatto e o Boulos são amigos [meus]. Pode haver identidades porque compomos o mesmo campo. Mas uma liderança política negra enfrentar o racismo estrutural é diferente de uma que ouve dizer o que é o racismo.
Como pretende se diferenciar dos dois? O PT é parte do passado. E o PSOL é uma espécie de PT retrô, dos anos 1980. Vou, com a minha experiência de vida e pessoal, valorizar a minha condição de negro e debater a representatividade na política. Não serão os brancos que vão romper com o racismo estrutural.
Que medidas efetivas um prefeito pode adotar para combater o racismo no âmbito municipal? Temos que fazer cumprir plenamente as leis que obrigam o ensino nas escolas da história da África e da cultura afro-brasileira. A prefeitura também pode liderar movimentos que coloquem mais peso em políticas públicas, com o cumprimento da política de cotas na administração, e em mobilização do setor privado, engajando empresas para gerar oportunidades para a população negra.
Qual é a maior demanda do paulistano, principalmente pós-pandemia? Emprego. Vou apresentar um programa emergencial para a geração de vagas nos próximos dois anos. A cidade terá que renegociar os grandes contratos para garantir um espaço fiscal e dar fôlego aos pequenos comerciantes e às pequenas empresas.
Com isenção de impostos? A cidade pode suspender a cobrança de determinados tributos durante um período. E aí vem a pergunta: mas como vamos pagar a conta? Você negocia uma moratória nos grandes contratos e abre um espaço fiscal para dar suporte aos micro e pequenos empresários. Um momento excepcional pede medidas excepcionais.
Nesses grandes contratos o sr. inclui os de transporte público, que demandam subsídio da prefeitura? A meu ver, o subsídio é uma caixa-preta. É necessário auditar. Não dá para manter no nível de hoje. O tema da mobilidade é um dos que exigem aliança de São Paulo com outros entes da Federação, para ampliar o transporte de alta capacidade, com expansão das malhas metroviária e ferroviária. E inclusive envolver captações internacionais. Deveríamos abrir diálogo com a China, um país que tem feito muitos investimentos em infraestrutura.
Como avalia o governo de Bruno Covas (PSDB), pré-candidato que hoje lidera as pesquisas? A gestão João Doria/Bruno Covas passará à história como uma gestão nula para a cidade de São Paulo. Quantas políticas inovadoras foram feitas? Nenhuma. Que iniciativa estruturante para o futuro foi feita? Nenhuma.
A gestão da Covid-19 foi marcada por vacilações, com repercussão na vida das pessoas: o rodízio, que jogou grande parte dos trabalhadores no transporte público, a falta de descentralização dos hospitais de campanha e os sinais contraditórios no debate sobre a volta às aulas.
O sr. vai se licenciar para fazer a campanha? Não. O exercício do meu mandato também é parte da estratégia de campanha, com [minha atuação em] medidas prioritárias como o auxílio emergencial, a medida provisória para manter os empregos e a regulação do combate às fake news. Durante a campanha, vou falar do que fiz na crise da Covid-19.
Como responderá caso as denúncias que o derrubaram do cargo de ministro do Esporte, em 2011, voltem à tona na campanha? Se isso surgir, será uma oportunidade a mais para me defender. Foi uma grande armação, que tinha objetivos políticos. Tanto era uma farsa, que nunca nem sequer fui convidado para prestar um único depoimento.
Como será fazer campanha por um partido que tem no nome o comunismo, demonizado por Bolsonaro e a direita? Olha, pelo Bolsonaro, 80% do Brasil é formado por comunista. A minha perspectiva sempre foi a de construir uma sociedade justa, com igualdade de oportunidades e comunhão. Um governo comunista é como o do Maranhão, que o Flávio Dino [PC do B] faz. Quero governar São Paulo inspirado em Flávio Dino.
O sr. também cita a China, outro “bicho-papão”. A China, que é um país onde estive três vezes, é uma experiência comunista, com muito desenvolvimento, e que pode ser um local de muitas parcerias para a nossa gestão.
Existe chance de retirada da sua candidatura? Nenhuma.
A inédita ausência do PT em uma campanha do PC do B na capital enfraquece ou fortalece seu nome? Apresentar um projeto para a cidade é o nosso desafio. Tenho muitos amigos no Partido dos Trabalhadores, o Lula foi um extraordinário presidente, mas nós temos que olhar para a frente.
O que motivou a cisão? Nós, do PC do B, entendemos que é necessário estruturar um projeto político para a cidade de São Paulo que não será feito à sombra do PT e que precisa de um líder.
Foi-se o tempo em que São Paulo melhor seria governada por um gerente. Aliás, tem gente que se agarrou a esse conceito de ser gerente e teve um péssimo resultado, inclusive eleitoral [referindo-se a João Doria, do PSDB].
A resistência ao nome de Tatto dentro de setores do próprio PT e da esquerda pode favorecer a sua candidatura? Olha, o Jilmar Tatto é meu amigo, e eu prefiro não comentar a candidatura dele. Saiu [na segunda-feira, 11] a declaração de apoio [a Boulos] de um ex-ministro da cozinha do ex-presidente Lula, Celso Amorim. Eu estou com medo de amanhã ou depois o [Fernando] Haddad e a presidente Dilma [Rousseff] declararem apoio para outro candidato que não seja Jilmar Tatto. Vou prestar minha solidariedade a ele.
O PC do B terá baixo tempo de TV e poucos recursos do fundo eleitoral. Como driblar isso? Vamos fazer o que estiver ao nosso alcance. Vou apostar muito nos debates na TV, na militância e na força das ideias para atrair o voto progressista e ocupar um espaço. Quem sabe nós não chegamos ao segundo turno?
(Folha de SP)
RAIO-X
Orlando Silva de Jesus Júnior, 49
Nascido em Salvador, mora na capital paulista desde 1992. Foi o primeiro negro a presidir a UNE (União Nacional dos Estudantes), de 1995 e 1997. Deputado federal por São Paulo em segundo mandato, é filiado ao PC do B (Partido Comunista do Brasil) desde 1989. Entre 2013 e 2015, ocupou uma vaga de vereador na Câmara Municipal de São Paulo. Foi ministro do Esporte (2006-2011) nos governos Lula e Dilma (PT). Caiu após ser alvo de denúncias por um suposto esquema de desvios de recursos públicos. A Comissão de Ética Pública da Presidência da República arquivou processo contra ele em 2012, por falta de provas
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