• Sob pressão para combater criminalidade, Dino tenta emplacar marca na segurança pública

    Sob pressão por medidas para combater a criminalidade, o governo Lula corre para tentar emplacar uma marca na segurança pública. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, entrou em campo para tentar acelerar as ações na área, que, segundo ele, estão “desarticuladas”, e hoje o Ministério da Justiça lança o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas. O objetivo é fortalecer a investigação criminal e a atividade de inteligência.

    Costa convocou uma reunião com os ministros Flávio Dino (Justiça) e José Múcio (Defesa) e com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Participantes disseram que as discussões foram apenas iniciais. Antes do encontro, o ministro da Casa Civil havia afirmado que é preciso ter ”mais sinergia” na área.

    — Vamos organizar ações com os ministros Dino e Múcio. Ações voltadas ao controle de armas e drogas, nas fronteiras, nos aeroportos e nos portos. A gente não pode permitir que, enquanto nosso adversário, que é o crime organizado, está organizado nacionalmente, nós estejamos desintegrados e desarticulados. Precisa colocar todo mundo junto. Meu papel é mais de articulação e integração — afirmou.

    Telhado de vidro

    Até dezembro, Costa governou a Bahia, estado campeão em mortes violentas no ano passado em números absolutos, com 6.659 casos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Este ano, sob o comando de Jerônimo Rodrigues, petista que é afilhado político do ministro da Casa Civil, a Bahia vive uma crise na segurança e registrou apenas em setembro 52 mortes praticadas por policiais.

    Os números da violência na Bahia constrangem e são alvo de críticas no PT. A avaliação é que as ações da polícia do estado contrariam as bandeiras históricas de defesa dos direitos humanos do partido. Dino afirmou que conversou com Rodrigues, que atribuiu a crise ao fortalecimento das organizações criminosas, com a presença mais intensa de facções de São Paulo e Rio.

    Parte do PT defende o desmembramento do Ministério da Justiça, com uma pasta voltada somente para a Segurança Pública. Essa ala defende que a medida deixaria clara a prioridade do governo em relação ao tema. Já o PSB, partido de Dino e do vice-presidente Geraldo Alckmin, argumenta que a área já é central na atual configuração.

    A divisão da pasta foi uma promessa de campanha do presidente Lula, mas não há sinalização no momento de que ele vá cumpri-la. A discussão ganhou força com a possibilidade de Dino ser indicado pelo petista para a vaga da ministra Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF).

    Para aliados de Dino, as críticas de que a gestão não tem um plano de ação para combater a criminalidade visam a enfraquecê-lo pelo fato de ele ser o único não petista a participar do núcleo central de decisões do governo.

    — Não é o momento oportuno de ficar discutindo esse assunto (divisão do ministério), tampouco de ficar fazendo críticas anônimas a ele (Dino), que está fazendo um trabalho que ninguém faria de defesa do próprio governo e da democracia — afirma o presidente do PSB, Carlos Siqueira.

    Na terça-feira Siqueira se reuniu com o secretário executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, braço-direito de Dino. No último dia 24, Cappelli postou nas redes sociais que o ministério já fez em oito meses na segurança pública mais do que “nenhum outro governo fez na história”.

    Afirmou ainda que os “ataques covardes e dissimulados escondem interesses impublicáveis”.

    Do lado petista, o argumento de um grupo formado principalmente por lideranças na Câmara é que o partido nunca conseguiu apresentar uma proposta para a segurança pública. Agora, no governo, se não implantar ações concretas com resultados, ficará, na próxima eleição, exposto novamente a ataques do bolsonarismo. O grupo entende que o tema não é tratado como prioridade pelo ministério de Dino.

    —O principal problema no Brasil, detectado por todas as pesquisas, é justamente a segurança. Com um ano quase de gestão, o governo deveria fazer o desmembramento para que o Estado brasileiro tenha uma pessoa dedicada à questão do combate à violência — afirma o deputado Jilmar Tatto (SP), que faz parte da executiva nacional do PT.

    Em entrevista ao GLOBO, Dino disse que, na prática, a pasta da Segurança Pública já existe, porque 90% do seu tempo é dedicado ao tema. Ele argumentou ainda que, por determinação legal, a maior parte das ações de segurança não são de responsabilidade do governo federal.

    Na manhã de hoje, Flávio Dino postou uma mensagem grande nas redes sociais afirmando que o trabalho dele não é “nem só ‘inteligência’, nem só ‘força’”.

    “Estamos sempre prontos ao diálogo. Por isso mesmo, sustento uma premissa: inteligência em segurança pública não é uma espécie de ‘pedra filosofal’, que exclui a necessidade de uso comedido e proporcional da força. Nem a força é uma ‘pedra filosofal’ que implique dar tiros a esmo, sem inteligência”, escreveu.

    Ele afirmou que o assunto é uma “difícil missão”. E criticou quem não vê que algumas áreas, como o controle de armas, estão se desenvolvendo com sucesso. Dino começou o texto com a seguinte frase: “Nem só ‘inteligência’, nem só ‘força’”.

    Ao escrever que um dos argumentos mais utilizados no debate sobre a área é de que falta um plano nacional, e que não bastam “ações paliativas ou pontuais”, o ministro afirmou que isso não é verdade.

    “Contudo, como já mencionei várias vezes, existe sim uma Política Nacional de Segurança Pública aprovada por Lei, que está sendo executada com planos, programas e ações articuladas, sem descuidar das imprescindíveis ações emergenciais”, apontou ele.

    Dino continuou afirmando que essa política de segurança não é uma “sopa de letrinhas”. E que quem usa esse termo, “além de ser panfletário, desrespeita dezenas de profissionais que estão se dedicando ao tema com seriedade e responsabilidade”.

    “Precisamos muito que haja um acompanhamento mais profundo e atento sobre as três esferas da Federação que atuam na Segurança, inclusive para qualificar as críticas, a fim de efetivamente nos ajudar em tão difícil missão”, continuou.

    E citou como “equivocado” o argumento de que o controle responsável sobre armas é lento. “Qualquer crítico cuidadoso olharia os números e leria os sucessivos decretos editados em poucos meses, antes de escrever um texto sério sobre o assunto”, considerou.

    No fim, Flávio Dino citou uma deusa grega e um famoso jurista alemão para reforçar essa ideia do equilíbrio.

    “Vamos seguir o nosso trabalho com ânimo e fé, sempre mediante diálogo federativo como temos feito, e ouvindo os profissionais e especialistas da Segurança Pública. Finalmente, uma sugestão: lembremos que Themis tem nas mãos uma balança e uma espada”, afirmou, falando da deusa que guardava a lei e os juramentos humanos.

    E terminou com uma frase do respeitado jurista alemão Rudolf von Ihering: “A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do Direito”.

    Eixos de combate a facções criminosas
    O programa de combate a organizações criminosas terá eixos como a integração das inteligências e a atuação nos portos brasileiros. Também é prevista uma definição sobre os fluxos de recuperação de ativos, que são os itens apreendidos com organizações criminosas.

    Em junho, Dino criou um Grupo de Trabalho que elaborou uma proposta de política nacional de recuperação de ativos, alinhada a esse programa de enfrentamento das facções. A ideia é criar uma rede integrada com os estados para a gestão dos itens apreendidos com organizações criminosas.

    Os fundamentos do programa de enfrentamento a facções são os mesmos do Programa Amazônia Mais Segura (Amas), que usa recursos do Fundo Amazônia para a área de segurança pública.

    Segundo o secretário Nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar (PSB), o programa de enfrentamento a organizações criminosas terá eixos como a integração das inteligências e a atuação nos portos brasileiros. (O Globo e Metrópoles)

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