O resultado da votação das duas listas tríplices do Superior Tribunal de Justiça (STJ) enviou alguns recados para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros que tentaram emplacar seus favoritos para as duas vagas em aberto na Corte, como Gilmar Mendes e Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF).
As listas finais mostraram que até no STJ, onde o lobby de outros poderes é comum, há limites para a pressão e o constrangimento. Os últimos dias foram de intensa campanha nos bastidores pelos candidatos dos três, inclusive com ameaças veladas contra quem deixasse de fora o preferido do Palácio do Planalto, Rogério Favreto. Apesar da pressão exercida por Dino e Gilmar nos bastidores, o desembargador Ney Bello também ficou de fora.
Outra mensagem clara para quem conhece bem a dinâmica do tribunal é que os antigos grupos de influência que costumavam ditar os rumos das votações no STJ já não têm o mesmo poder.
A liderança do ministro Luis Felipe Salomão, que há até pouco tempo aglutinava e definia a direção de cerca de 15 outros magistrados, aos poucos está sendo substituída pela de outros colegas – como Herman Benjamin, presidente da Corte, que batalhou internamente pela escolha das mulheres que acabaram nas listas, e Antonio Carlos Ferreira, que articulou a implantação da votação eletrônica.
Na definição dos seis candidatos – três da Justiça Federal e três do Ministério Público – o STJ incluiu mulheres em ambas as listas: as desembargadoras Daniele Maranhão e Marisa Ferreira dos Santos, respectivamente do TRF-1 e do TRF-3, na lista da Justiça Federal; e a procuradora de Justiça de Alagoas Maria Marluce Caldas Bezerra, na do Ministério Público.
A escolha surpreendeu muita gente que ainda apostava na força dos padrinhos poderosos.
Durante a campanha, Lula não escondeu de ninguém a preferência por Favreto, que determinou a sua soltura em julho de 2018, no auge da Lava-Jato, mesmo não sendo o relator do caso e em pleno plantão do Judiciário. Lula chegou até mesmo mandar recados à Corte de que, se detectasse alguma manobra contra Favreto por parte do grupo dominante no STJ, liderado por Salomão e Mauro Campbell, daria o troco escolhendo outro candidato que não o apoiado por eles na disputa do Ministério Público, Sammy Barbosa Lopes.
Segundo relatos obtidos pela equipe da coluna, foi exatamente uma articulação do grupo ligado a Salomão e Mauro Campbell que mais pesou contra Favreto. O desembargador gaúcho chegou a obter 14 votos em uma das rodadas de votação, apenas três a menos do mínimo exigido pela selar a indicação.
Pelo processo de escolha, o STJ faz uma votação prévia para formar uma lista de três candidatos a cada vaga de ministro – na desta terça-feira, eram duas vagas, uma para um representante da Justiça Federal e outra para um membro do Ministério Público. As listas então são enviadas ao presidente da República, que escolhe um entre os três. Não há prazo para Lula decidir.
“O fato de o Favreto não ter entrado na lista é uma derrota pessoal do presidente Lula. Alguns colegas se curvam ao lobby do Planalto, mas o STJ se ressente dessas interferências”, diz um influente ministro do STJ.
“Favreto teve 14 votos. Sem o apoio do Planalto teria apenas dois”, comenta outro ministro, minimizando a derrota.
Também ficou de fora da lista da Justiça Federal o desembargador maranhense Ney Bello, que viu sua rejeição na Corte aumentar após ter sido preterido no final de 2022 pelo então presidente Jair Bolsonaro em uma disputa semelhante à atual, por duas vagas.
O então presidente escolheu Messod Azulay e Paulo Sérgio Domingues. Mesmo assim, Ney Bello atuou no Senado para tentar adiar a realização da sabatina e até mesmo convencer os senadores a rejeitarem os dois escolhidos por Bolsonaro, na esperança de que, depois da transição de governo, Lula pudesse revogar a escolha de Bolsonaro e colocá-lo no lugar de um dos dois já escolhidos.
“Ney Bello colheu o que plantou – atacou indiretamente o STJ ao defender a devolução da lista, o que seria uma humilhação para os ministros e para a Corte. Ele não entrou agora e dificilmente vai entrar no STJ”, comenta um ministro.
Com Favreto e Ney Bello de fora, o resultado confirmou o favoritismo do desembargador Carlos Pires Brandão, que contou nos bastidores com o apoio do ministro Francisco Falcão, do STJ, e de Kassio Nunes Marques, do STF. Mas a influência de Nunes Marques, de acordo com ministros ouvidos pela equipe da coluna, funcionou nesse caso porque Brandão vem fazendo campanha para essa vaga há anos, e é bem quisto no tribunal.
Como é desafeto de Ney Bello, a votação representou uma dupla vitória para Nunes Marques. Durante o governo Bolsonaro, Nunes Marques vetou a escolha de Ney Bello para uma das vagas do STJ, o que estremeceu as relações entre o ex-presidente da República e Gilmar Mendes, aliado do desembargador maranhense.
O magistrado também tem feito acenos ao governo Lula desde o retorno do petista ao Palácio do Planalto, é amigo do ex-governador do Piauí e ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias – e, mais importante: vai assumir o comando do TSE durante as eleições presidenciais de 2026.
No balanço das derrotas, não passou despercebido o fracasso da campanha do grupo de Salomão e Campbell pelo desembargador paraibano Rogério Fialho, do TRF-5.
Na noite anterior à votação, uma reunião na casa de Salomão com outros 16 ministros fechou o apoio em Fialho, mas o placar da votação indica que boa parte dos presentes não cumpriu o combinado. Fialho obteve apenas nove votos.
Novo sistema de votação favoreceu traições
Uma das razões para o enfraquecimento do grupo de Salomão é a criação de um novo sistema de contabilização dos votos, que reduziu o caciquismo de ministros e criou um ambiente propício para traições de todos os lados.
Pela primeira vez, os votos foram contabilizados de forma eletrônica e não pela contagem individualizada de cada cédula. Pelo sistema antigo, cada cédula era lida para o plenário, de modo que era possível deduzir quem votou em quem pela ordem dos votos e pela combinação de cada cédula.
Tinha até casos de ministros que tiravam fotos da cédula preenchida e enviavam aos colegas para comprovar a lealdade.
Mesmo assim, o ministro Mauro Campbell conseguiu emplacar na lista do Ministério Público o procurador de Justiça do Acre Sammy Barbosa Lopes, mas as chances de indicação do seu apadrinhado podem ser prejudicadas com a ausência de Favreto entre os desembargadores federais.
Mulheres na lista
Integrantes do STJ apontam que as circunstâncias políticas podem favorecer a procuradora Maria Marluce. Ela é tia do prefeito de Maceió, JHC – aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) – e contou nessa etapa da disputa com o apoio do ministro alagoano Humberto Martins.
“Marluce tem boas chances no Planalto. Vem de família humilde, o Nordeste vai apoiá-la em peso. E o Campbell desprezou a candidatura dela, autorizou que votassem nela, achando que ela teria apenas quatro votos”, diz um ministro.
Em uma disputa marcada por pressão, constrangimentos, lobby do Planalto e duelo de padrinhos, a possibilidade de uma mulher ser indicada ganha força.
As duas vagas em disputa, convém lembrar, foram abertas com a aposentadoria de duas mulheres – Assusete Magalhães e Laurita Vaz. Lula já se queixou da “supremacia branca” e da falta de diversidade no Judiciário brasileiro, mas até agora tem dados sinais tímidos para mudar isso. (O Globo)