O inédito embate televisivo exclusivamente entre um presidente da República e um ex-titular do Palácio do Planalto foi eloquente também pelo que aconteceu atrás das câmeras. Jair Bolsonaro reservou lugar de destaque a seu ex-ministro e ex-desafeto Sergio Moro, coadjuvante de peso no atual embate com Lula por ter sido o responsável, como juiz, pela prisão do petista em 2018. Moro, com quem Bolsonaro reatou nesse segundo turno, foi escalado como um dos assessores com cadeira dentro do estúdio da Band. O convite foi feito em telefonema dado pelo próprio Bolsonaro durante a última semana, como informou o colunista Lauro Jardim.
De seu lado, Lula também levou novos aliados para o debate, mas manteve no seu entorno mais próximo o núcleo duro de sua campanha. A ex-ministra Marina Silva, que deu apoio ao ex-presidente na reta final do primeiro turno, ficou na antessala destinada aos convidados de cada lado (desta vez separados por uma pequena grade e um grupo de seguranças, evitando xingamentos e bate-bocas como o ocorrido no primeiro turno entre o deputado André Janones e o ex-ministro Ricardo Salles no primeiro turno).
Dentro do estúdio, trocando olhares e orientações com o petista nos intervalos e conversando com ele no púlpito, ficou o grupo de sempre: a mulher de Lula, Janja, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, o vice, Geraldo Alckmin e os ex-ministros Aloizio Mercadante e Edinho Silva.
No lado bolsonarista, além de Moro, estavam no estúdio os ministros Ciro Nogueira e Fábio Faria, o secretário Fabio Wajngarten e o ajudante de ordens Mauro Cid, além do filho responsável pela estratégia digital do presidente, Carlos Bolsonaro.
Foi a partir de sinais feitos por Carlos e Wajngarten, aliás, que Bolsonaro se deu conta no primeiro bloco que a extensão demasiada do debate sobre a condução da pandemia lhe prejudicava, e mudou de assunto a pedido dos aliados.
Os dois candidatos procuraram ser disciplinados ao seguir as orientações recebidas pelas equipes. Lula, por exemplo, não fez referência ao assunto que dominou as redes sociais nas horas anteriores ao encontro, a declaração de Bolsonaro de que havia pintado um clima, com adolescentes venezuelanas que migraram para Brasília. Pouco antes, o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, havia determinado que o PT retirasse do ar vídeos da entrevista e não usasse mais a declaração. Invertendo a expectativa, coube ao próprio presidente levar o assunto ao debate, inclusive elogiando a decisão de seu desafeto Moraes, o que provocou comentários irônicos do grupo petista.
Lula evitou o assunto, mas usou uma tática sutil já adotada por Bolsonaro em outros eventos televisivos. O petista usava um pequeno broche, cujo significado logo começou a circular pelas redes sociais: era o símbolo do Dia Nacional do Combate ao Abuso e à Exploração contra Crianças e Adolescentes.
Se a jogada do broche funcionou, aliados de Lula lamentaram no estúdio quando, no terceiro bloco, o petista geriu mal seu tempo e deixou Bolsonaro com quase seis minutos para falar sozinho (mais do que um programa inteiro que cada campanha tem diariamente no horário eleitoral na TV). Do outro lado, auxiliares do presidente admitiam após o encontro que ele ficou em desvantagem no debate sobre pandemia, mas foi bem superior na re ta final.
Com o debate terminado, na entrevista para comentar o encontro, Bolsonaro mostrou que o convite a Moro não foi só para a foto. Com o ex-juiz a seu lado, afirmou em sua resposta que a Lava-Jato voltará a ter força eu seu eventual novo governo. Justamente a operação que levou Lula à prisão e reforçou o antipetismo — mas que foi desmontada dentro do Ministério Público durante seus anos no Planalto, um dos motivos para o rompimento com Moro, uma relação reabilitada de vez ontem à noite. (O Globo)