• Apreensão de R$ 575 mil levou PF a casal de políticos do Maranhão

    A operação Lei do Retorno, cuja segunda fase foi deflagrada pela Polícia Federal (PF) no final de agosto para investigar desvios na Educação em cidades do Maranhão que chegam a R$ 50 milhões, teve início com a apreensão de R$ 575 mil ainda em 2022.

    Após a apreensão, a PF descobriu um esquema de desvios de dinheiro que abastecia o pagamento de propina para políticos. Entre eles, diz a PF, o casal formado pelo ex-prefeito de Caxias (MA) e atual secretário de estado da Agricultura, Fábio Gentil, e sua namorada, a deputada estadual Daniella Cunha (PSB).

    “Com o desenvolvimento das investigações, apurou-se a existência de organização criminosa responsável não somente pelo desvio de recursos públicos federais da educação no município de Caxias (MA), mas em outros diversos municípios, através do pagamento de propina a servidores públicos, dentre eles Fábio José Gentil Pereira Rosa, atual prefeito do município de Caxias [ele deixou o cargo no início de 2025] e Daniella Jadão Meneses Cunha, atual deputada estadual”, diz a PF.

    A investigação começou em janeiro daquele ano a partir da apreensão do dinheiro dentro de sacolas e mochilas durante uma abordagem da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na BR 316, em 18 de janeiro. O dinheiro foi achado dentro de um veículo Toyota Corolla, onde estavam dois investigados apontados como intermediários do esquema.

    A partir da apreensão, a PF passou a apurar a origem do dinheiro e chegou a uma organização criminosa suspeita de desviar verbas públicas, uma parte proveniente do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

    Os dois presos com os valores foram interrogados pelos PF, mas não apresentaram “justificativa idônea apta a fundamentar” e versões conflituosas para os R$ 575 mil em espécie.

    Com a apreensão e análise dos celulares da dupla, os investigadores encontraram indícios “robustos” de recebimento de propina decorrente de contrato com o município de Caxias, então comandado por Fábio Gentil, e outras cidades do Maranhão.

    A PF descobriu, por exemplo, que os investigados que estavam no carro no momento da apreensão possivelmente fariam a entrega em espécie do montante a um servidor do município de Caxias. Este, por sua vez, repassaria, em tese, os valores a Fábio e Daniella.

    Outro ponto que chamou a atenção dos investigadores foi que o carro em que o dinheiro foi encontrado estava em nome da mãe da deputada Daniella, sendo que um dos ocupantes do carro é tio de Daniella. As investigações mostram ainda que o pai da deputada também teria se beneficiado dos trâmites ilegais. Documentos verificados pela Polícia Federal indicam que ele recebeu R$ 170 mil em repasses, feitos por um dos intermediários flagrado transportando os R$ 575 mil.

    Os repasses teriam sido fracionados: R$ 70 mil diretamente para a conta do pai da parlamentar, enquanto outros R$ 100 mil teriam sido enviados a uma concessionária. Com esse valor, diz a PF, o pai da deputada adquiriu um veículo.

    “Deve-se frisar ainda que, em tese, considerando a possível atuação da organização criminosa de forma reiterada não somente no município de Caxias/MA, mas em outros diversos municípios do estado do Maranhão também, […] deve ser observada a continuidade delitiva acerca dos fatos apurados, tratando-se de alguns dos investigados colacionados, uma vertente da organização criminosa relacionada especificamente ao município de Caxias/MA”, afirma a PF em representação do caso.

    Mensagens indicam fluxo de propina

    Fábio Gentil e Daniela

    Embora a investigação aponte Caxias como um dos núcleos do esquema, a investigação identificou indícios de replicação do mesmo modelo em outros municípios maranhenses. Um levantamento da Controladoria-Geral da União (CGU) no Maranhão mostrou que, entre 2017 e 2021, apenas uma das empresas sob suspeita recebeu quase R$ 27 milhões em contratos de diversas prefeituras.

    Durante a apreensão dos R$ 575 mil, ainda em 2022, também foram levados os celulares dos dois investigados que estavam no carro abordado pela PRF. A análise dos aparelhos trouxe indícios da movimentação do dinheiro.

    Diante disso, a PF traz em seu relatório mensagens que tratam sobre contratos em outros municípios e citam que os diálogos verificam “de forma clara a suposta intermediação direta de Daniella Jadão Meneses Cunha para a contratação da referida empresa por diversas prefeituras do estado do Maranhão”, além de apontar para o recebimento de valores indevidos por ela e outros envolvidos.

    Em uma das conversas, trocada no mesmo dia da apreensão, o funcionário da prefeitura que receberia o dinheiro manteve contato com um dos transportadores, indicando que ele estava a sua espera.

    Outro diálogo, desta vez entre um dos intermediadores e o dono de uma da empresas suspeitas, ainda em 2021, mostra ambos falando sobre contratos com outro município do Maranhão. O intermediador então encaminha, de um terceiro interlocutor ao empresário, a seguinte mensagem: “pra ela 15”.

    “É possível que as mensagens sejam referentes à vantagem indevida – propina, que pode ser “15% do valor do contrato pra ela (Deputada)”, diz a PF.

    Em outro diálogo, os mesmos interlocutores conversam sobre contratos com prefeituras do estado e o empresário encaminha um áudio utilizando a expressão “nossa chefa”. Segundo a PF, o termo seria em referência à Daniella.

    “Através da mensagem de áudio acima, [o empresário] utiliza a expressão “Nossa Chefa”. Verifica-se novamente indícios da participação da Deputada Daniella sobre os contratos”, diz trecho do relatório da corporação.

    Fraudes em contratos
    De acordo com a Polícia Federal, os contratos supostamente fraudulentos em Caxias foram direcionados pelo então prefeito Fábio Gentil, em articulação com servidores públicos municipais. A afirmação é baseada em supostos encontros entre Fábio e um do intermediadores do esquema.

    As propostas, segundo o relatório, “eram apresentadas aos servidores públicos antes mesmo da existência de quaisquer Termos de Referência, ocorrendo, desse modo, a montagem de procedimentos de inexigibilidade para viabilizar o repasse de valores para a empresa, com Termos de Referência e contratos elaborados com base especificamente na proposta da empresa”.

    “O investigado Fábio José Gentil segue o mesmo modus operandi de negociação com as empresas investigadas anteriormente à contratação destas, as quais são viabilizadas pelos servidores públicos municipais que somente realizam a posteriori a montagem de procedimentos fraudulentos de inexigibilidade de licitação, viabilizando o repasse de recursos públicos do FUNDEB”, afirma a PF.

    Ainda sobre o ex-prefeito, a corporação afirma que “foram identificados elementos de informação robustos acerca de supostas negociações referentes ao recebimento de propina pelos investigados Fábio Gentil, através da realização específica de Processos Administrativos de Inexigibilidade de Licitação, com a montagem de documentos por servidores públicos municipais”.

    Operação Lei do Retorno


    A operação Lei do Retorno foi inicialmente deflagrada em 19 de agosto com o cumprimento de 45 mandados de busca e apreensão contra investigados. Foram apreendidos carros, joias, R$ 54 mil em espécie e um cheque de R$ 300 mil.

    As ações seguiram na segunda fase, deflagrada dois dias depois, em 21 de agosto, quando o número de buscas subiu para 94 e, até agora, já foram apreendidos cerca de R$ 2,5 milhões entre valores em dinheiro, cheques e veículos apreendidos.

    São investigados os crimes de formação de organização criminosa, Corrupção ativa e/ou passiva, Peculato, Fraudes em licitações e Lavagem de dinheiro, cujas penas, se somadas, podem chegar até 52 anos de prisão.

    Defesa
    A coluna entrou em contato com Fábio Gentil e com a deputada Daniella por meio de suas respetivas assessorias.

    Em nota, Fábio nega que tenha envolvimento nas irregularidades investigadas pela PF e informou que vem colaborando integralmente com as autoridades envolvidas na Operação Lei do Retorno, apresentando todos os esclarecimentos solicitados à Justiça Federal por intermédio de seus advogados.

    “Reitera respeito e confiança no trabalho sério da Polícia Federal e da Justiça Federal, certo de que, ao final, ficará demonstrado não haver qualquer envolvimento seu nas supostas irregularidades precipitadamente noticiadas”, afirmou.

    Por se tratar de investigação sob sigilo, a assessoria de Fábio Gentil disse que ele não comentará detalhes das apurações neste momento, mas “mantém seu compromisso com a legalidade, a transparência e com a população de Caxias (MA).

    Já Daniella, também em nota, disse que considera “absurdas as ilações da Polícia Federal” envolvendo seu nome.

    “A ausência de provas reforça que não há qualquer indício de irregularidade em minha conduta; confio plenamente no trabalho das instituições e respeito o segredo de justiça estabelecido para o caso”, afirmou.

    Ela disse ainda que sua equipe jurídica acompanha a situação de perto e, assim como ela, “está inteiramente à disposição para eventuais esclarecimentos”.

    “Sigo com a consciência tranquila e reafirmo meu compromisso com a legalidade, a transparência e o respeito ao interesse público”, concluiu. (Do Metrópoles)

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