O Globo – Após quase cinco meses de trabalho, a relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), apresentou seu relatório final. No documento, ela traz o pedido de indiciamento de 61 pessoas, entre elas o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), apontado como autor intelectual de ataques perpetrados contra as instituições, que culminaram nas invasões e depredações as sedes dos Três Poderes.
Bolsonaro é citado como tendo “responsabilidade direta, como mentor moral, por grande parte dos ataques perpetrados a todas as figuras republicanas que impusessem qualquer tipo de empecilho à sua empreitada golpista”.
“Agentes públicos, jornalistas, empresários, militares, membros dos Poderes: todos sofreram ataques incessantes por parte de Jair Bolsonaro e de seus apoiadores, muitos deles ocupantes de cargos públicos, que se utilizavam da máquina estatal para coagir e agredir pessoas”, é destacado, no relatório.
O documento, que tem mais de 1100 páginas, elenca diversos episódios que, para a relatora, justificam a responsabilização do ex-presidente e de outros integrantes do seu governo. Não há, entretanto, nenhum fato novo ou que ainda não tivesse vindo à público.
- Os crimes investigados
No relatório, a parlamentar pontua que, para fins de indiciamento, é necessário que se analisem resumidamente os delitos em tese praticados pelos indivíduos investigados no âmbito da CPMI. Neste ponto, não será descrita no documento a conduta em tese criminosa de cada um dos indivíduos, mas apenas será feita a análise de cada tipo penal.
Entre os crimes previstos no Código Penal investigados pela Comissão estão dano qualificado, explosão, associação criminosa, corrupção passiva, prevaricação, entre outros.
- Os indiciamentos
O relatório propõe o indiciamento de 61 pessoas, incluindo integrantes do governo de Jair Bolsonaro. Além do próprio ex-presidente, a extensa lista também inclui o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, o ex-diretor da Polícia Federal Rodoviária (PRF) Silvinei Vasques, os ex-ministros Anderson Torres (Justiça), Walter Braga Netto (Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno (GSI), Luis Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), além da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP).
Também constam no relatório da senadora o pedido de indiciamento do almirante Almir Ganrier, ex-comandantes da Marinha, e do Exército, Marco Antônio Freire Gomes. Outro militar na lista é o ex-ajudante de ordens Luís Marcos Reis.
- Jair Bolsonaro
No pedido de indiciamento de Bolsonaro, a senadora Eliziane Gama afirma que Bolsonaro “nunca nutriu simpatia por princípios republicanos e democráticos” e a prova disso seria a “extensa documentação trazida ao conhecimento desta CPMI e que comprova tais fatos”.
“Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República e, desde o primeiro dia de seu governo, atentou contra as instituições estatais, principalmente aquelas que significavam, de alguma forma, obstáculo ao seu plano de poder. Em verdade, já bradava contra as instituições mesmo no século passado, defendendo em vários momentos ações da ditadura militar”, destaca.
Para a parlamentar, Jair Bolsonaro “nunca foi um conservador no sentido tradicional do termo, nunca tendo defendido a manutenção das instituições”. Eles apontam que a prudência, que deveria nortear a conduta verdadeiramente conservadora, nunca havia acompanhado sua figura, e dela se manteve distante quando ocupou a presidência.
“Visto como figura mítica por seus apoiadores, Bolsonaro se utilizou como pôde do aparato estatal para atingir seu objetivo maior: cupinizar as instituições republicanas brasileiras até a seu total esfacelamento, de modo a se manter no poder, de forma perene e autoritária e perene”, escreve.
- Ataques ao sistema eleitoral
A relatora da CPMI também salientou os discursos proferidos pelo ex-presidente descredibilizando o sistema eleitoral e questionando a lisura do pleito presidencial, como teria acontecido em um encontro com embaixadores. Nesse sentido, cita uma reunião em que ele, o hacker Walter Delgatti e a deputada federal Carla Zambelli teriam tramado “conspirações relativas a uma suposta “fraude” das urnas eletrônicas, entre elas a adulteração do código-fonte.
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Delgatti também contou aos parlamentares que teria recebido a proposta de assumir a autoria de um grampo do ministro do Supremo, Alexandre de Moraes.
“Referido hacker se encontrou no Palácio do Alvorada com o então presidente da República, momento no qual teria recebido a missão de contribuir com informações para relatório que estava sendo construído pelas Forças Armadas, cujo ponto central era evidenciar suposta vulnerabilidade do processo eleitoral. Referido relatório foi efetivamente construído e enviado a TSE”, afirma o relatório.
O relatório destaca também os questionamentos em lives feitos por Bolsonaro sobre a votação eletrônica, sem apresentar qualquer evidência técnica ou factual da vulnerabilidade das urnas. Em uma dessas transmissões, aponta o documento, o ex-presidente vazou o teor de um processo sigiloso que apurava a invasão de sistemas do Tribunal Superior Eleitoral.
- Encontro com embaixadores e militares
O relatório também salienta que, depois das eleições de 2022, ainda durante o mandato, Jair Bolsonaro teria se reunido por diversas vezes “com os comandantes das Forças Armadas, fora da agenda presidencial oficial, com fins pouco republicanos”.
A parlamentar ainda cita um encontro entre o ex-presidente e embaixadores estrangeiros no Palácio do Planalto. Nessa ocasião, mais uma vez, ele colocou em xeque a segurança das urnas eletrônicas.
- Acampamentos golpistas
Ainda no relatório, é destacado que, após o início dos acampamentos de teor golpista em frente às instituições militares por todo o Brasil, “nunca houve qualquer discurso ou pedido de Bolsonaro para que os acampamentos fossem desmobilizados – na prática, houve verdadeiro silêncio eloquente do então ocupante do posto de presidente da República, incentivando os acampados a permanecerem nos locais”.
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O texto também coloca os atos golpistas como “obra do bolsonarismo”. “Como se verá nas páginas que se seguem, a democracia brasileira foi atacada: massas foram manipuladas com discurso de ódio; milicianos digitais foram empregados para disseminar o medo, desqualificar adversários e promover ataques ao sistema eleitoral; forças de segurança foram cooptadas; tentou-se corromper, obstruir e anular as eleições; um golpe de Estado foi ensaiado; e, por fim, foram estimulados atos e movimentos desesperados de tomada do poder. O Oito de Janeiro é obra do bolsonarismo”, diz.
“Diferentemente do que defendem os bolsonaristas, o Oito de Janeiro não foi um movimento espontâneo ou desorganizado: foi uma mobilização idealizada, planejada e preparada com antecedência”, prossegue o relatório. “Os executores foram insuflados e arregimentados por instigadores, que definiram, de forma coordenada, datas, percurso e estratégias de enfrentamento e ocupação dos espaços. Caravanas foram organizadas de forma estruturada e articulada. Extremistas radicais tiveram as passagens pagas e a estada em Brasília subsidiada”, afirma a senadora.
- Instrumentalização da PRF
“Na esteira da instrumentalização do aparato estatal para permanência no poder”, diz a senadora, há fartos indícios de que Bolsonaro se utilizou da Polícia Rodoviária Federal, por meio do então diretor-geral Silvinei Vasques, para monitorar os locais onde o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva teria tido maior votação.
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“No segundo turno da votação, em verdadeira forma de violência política, foram realizados diversos bloqueios e fiscalizações (blitze), que interferiram no deslocamento de eleitores naquela região – tudo com o intuito de reduzir o número de votos no então candidato Lula, tentando ganhar o jogo escondendo as peças do seu adversário”, diz o relatório.
- Minuta do golpe
A última evidência apontada no relatório são as informações recentes de que o ex-assessor do presidente Jair Bolsonaro, Filipe Martins, teria entregue a ele uma “minuta de golpe”. O episódio teria sido presenciado pelo ex-ajudante-de-ordens do presidente, o tenente-coronel Mauro Cid, que fechou acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal.
Uma resposta
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