O Ministério da Defesa afirmou que a proposta de levar uma “votação paralela” para as seções eleitorais em 2 de outubro, como forma de melhorar a testagem de segurança das urnas eletrônicas, não vai exigir que eleitores votem também à mão em cédulas de papel e numa segunda urna, exclusiva para testes. A informação contradiz o próprio ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
Em audiência pública no Senado, o ministro afirmou na quinta-feira, dia 14, que tanto eleitores quanto funcionários da Justiça Eleitoral poderiam, participando do procedimento de segurança sugerido pela pasta, registrar votos à mão, em cédulas de papel, para conferência com o boletim de uma urna-teste.
“No teste de integridade, no dia da votação, há um voto na mão. É aquele elemento que faz ali – ou é um servidor do TSE, ou, se atenderem a nossa demanda, é um eleitor – à mão, que testa a urna e que confere se o que ele fez à mão é o que saiu na urna”, disse o general, depois de o Estadão publicar detalhes sobre o modelo de teste de integridade sugerido pelas Forças Armadas.
Auxiliares do ministro disseram à reportagem que o general Paulo Sérgio, embora tenha falado sobre voto à mão e na urna, queria se referir somente ao uso de biometria pelos eleitores. A assessoria do ministro esclareceu que apenas funcionários da própria Justiça Eleitoral participariam da votação paralela. Nesse sentido, o esquema proposto pela Defesa repetiria parte do que já ocorre desde 2002, em testagens públicas das urnas, conduzidas pelo Tribunal Superior Eleitoral. O formato, no entanto, é diferente do que sugerem os militares.
Atualmente, no dia da eleição as seções eleitorais sorteadas para testes têm as urnas substituídas. A urna originalmente distribuída é transportada até o Tribunal Regional Eleitoral, onde o procedimento de votação eletrônica é realizado, monitorado por câmeras, e checado com votos registrados em cédulas de papel. Em vinte anos, nunca houve divergências de resultado, segundo a Corte.
Apesar disso, os militares entendem que a testagem atualmente feita não é suficientemente segura e pode deixar escapar ameaças internas, como vírus adormecidos, que seriam acionados apenas em determinadas condições, como o ritmo real de votação ou pelo uso de biometria de um eleitor cooptado para fraudar o pleito.
Por isso, a equipe de fiscalização das Forças Armadas sugeriu as mudanças na auditoria. Além de realizar os procedimentos na própria seção eleitoral, diante dos eleitores, após saírem da cabine de votação oficial, eles seriam convidados a liberar, por meio da biometria, o funcionamento de uma segunda urna eletrônica, a ser instalada no local apenas para essa testagem. Foi o que o coronel Marcelo Nogueira de Sousa, especialista do Exército, chamou durante a audiência pública de “gerar um fluxo de registro” na urna-teste, segundo a Defesa. O coronel, no entanto, omitiu que após o procedimento o eleitor seria dispensado e não deixou claro quem digitaria os votos na urna-teste. Segundo o ministério informou agora, os funcionários da Justiça Eleitoral conduziriam exclusivamente essa “votação paralela”, tanto na segunda urna, quanto nas cédulas em papel.
A mudança de informação por parte da Defesa ocorreu depois da repercussão da proposta das Forças Armadas, nos meios jurídico e político. Em privado, ministros do Supremo Tribunal Federal comentaram que a ideia poderia dar margem a fraudes. Os militares não esclareceram se o procedimento de auditoria proposto por eles, uma vez realizado na seção eleitoral, também será gravado por câmeras e transmitido ao vivo via internet, como ocorre atualmente nos tribunais.
O advogado Marco Aurélio de Carvalho, do Grupo Prerrogativas, ligado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), disse que a votação como sugerida pelo ministro era “mais fraudável do que a que ele pretendia auditar”. Ele classificou a proposta como “perigosa” e disse que o ministro agiu de forma “ousada” ao “transbordar o papel das Forças Armadas previsto na Constituição”. “Essa atitude atenta contra as instituições e deveria colocar a manutenção dele no cargo em xeque. Ele se mete onde não deve”, afirmou Carvalho.
Parlamentares também criticaram que não haveria como garantir que pessoas mal intencionadas registrassem uma coisa na urna eletrônica e outra no papel. “Essa sugestão é coisa de quem quer criar problema”, disse o deputado Fausto Pinato (PP-SP). “É um caso típico de alguém que está querendo criar baderna e isso definitivamente não é função de um ministro da Defesa.”
Embora já rechaçada pelo TSE para as eleições de 2022, a proposta das Forças Armadas foi detalhada pela primeira vez durante a audiência no Senado, dominada por parlamentares governistas. A exposição pública feita pela Defesa pressiona a Justiça Eleitoral e coincide com a estratégia adotada pelo presidente Jair Bolsonaro de estimular a desconfiança nas urnas eletrônicas, antecipando-se a um eventual resultado desfavorável nas eleições. O principal adversário do presidente, o petista Luiz Inácio Lula da Silva, aparece como eventual vencedor na disputa, segundo pesquisas de intenção de voto. O ministro da Defesa, porém, negou agir com viés político. (Estadão)