Integrantes do primeiro escalão do governo Lula comemoraram a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça nesta quarta-feira, 29, que limitou os efeitos da lei das “saidinhas”. Mendonça decidiu que as restrições impostas pelo Congresso às saídas temporárias de presos não devem afetar os detentos que já cumprem pena. Ou seja, somente as pessoas detidas após a promulgação da lei não terão o direito de deixar o cárcere temporariamente.
A nova lei proibiu a saída temporária ou o trabalho externo para quem foi condenado por crime hediondo ou cometido com grave ameaça. Mendonça afirmou, contudo, a legislação só pode retroagir caso beneficie o réu.
“Assim, entendo pela impossibilidade de retroação da Lei nº 14.836, de 2024, no que toca à limitação aos institutos da saída temporária e trabalho externo para alcançar aqueles que cumprem pena por crime crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa — no qual se enquadra o crime de roubo —, cometido anteriormente à sua edição”, argumentou o ministro, em decisão de terça-feira.
Enquanto isso, o Planalto descarta judicializar o assunto para não gerar uma nova crise com o Congresso, mas aguarda um partido aliado entrar com uma ação na Corte, como maneira de anular a medida sem a digital do Executivo.
A leitura no Ministério da Justiça, por exemplo, é de que a decisão de Mendonça posterga os efeitos da lei aprovada pelo Congresso por “no mínimo dez anos”. Interlocutores na pasta explicam que as pessoas atingidas pelo fim das saidinhas só poderiam requisitar o benefício após o trânsito em julgado da condenação e a progressão de regime – dois trâmites demorados no sistema de Justiça.
Além disso, a decisão de Mendonça é vista como um aval para que os juízes de execução penal continuem a atuar da mesma forma. São esses magistrados que decidem quais presos se enquadram nas regras de uso das saidinhas. O primeiro escalão do governo Lula também vê o despacho do ministro como um indicativo de como o STF deve julgar o tema – de forma moderada, como defende o Planalto – caso seja provocado por questões mais amplas.
Apesar de o PSOL estudar protocolar uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para derrubar o fim da saidinha, a expectativa dos ministros do governo é que entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Defensoria Pública da União recorram à Justiça.
Entenda mudança na legislação
A lei que mudou as regras sobre as saídas temporárias foi aprovado pela Câmara em março, um mês após passar pelo Senado. No mês seguinte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou um ponto central do texto: a autorização para presos de saírem da cadeia para visitar a família. Esse veto foi derrubado na terça-feira pelo Congresso, e essa restrição também passa a valer.
Lula sancionou outros três pontos do projeto: o que obriga a realização de exame criminológico para a progressão de regime; o que impõe o uso de tornozeleira nas “saidinhas”; e o que proíbe o benefício para quem cometeu crimes hediondos. Essas restrições, portanto, já estão em vigor desde abril.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO após o projeto de lei avançar no Senado, em fevereiro, já haviam divergido sobre o efeito para quem já estava na cadeia. A discordância existe devido a uma interpretação sobre se o que foi alterado é o Código Penal em si — o que não permitia a retroatividade — ou apenas a Lei de Execuções Penais.