Em parecer no qual defende a condenação de Jair Bolsonaro, a Procuradoria-Geral Eleitoral afirma que o discurso feito pelo ex-presidente a embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho do ano passado, mobilizou parcela da população a se insurgir contra o sistema eleitoral do país. A manifestação do órgão, entregue nesta quarta-feira ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é o último passo da acusação antes do julgamento da ação que pode levar à inelegibilidade de Bolsonaro.
No documento, ao qual O GLOBO teve acesso, o Ministério Público afirma ver no episódio inúmeras condutas que ferem a legislação eleitoral, como abuso de autoridade e de poder político, desvio de finalidade e uso indevido dos meios de comunicação.
A Procuradoria-Geral Eleitoral pediu a condenação do ex-presidente por reconhecer que seu discurso a embaixadores estrangeiros, três meses antes da eleição presidencial, efetivamente atacou as instituições eleitorais, de modo a abalar a confiança da população. A ação foi apresentado pelo PDT no ano passado para apurar os ataques ao sistema eleitoral feito pelo então presidente na reunião com embaixadores. Posteriormente, foram incluídos no processo outras críticas de Bolsonaro às urnas eletrônicas.
O que diz o MP Eleitoral:
- Abuso de autoridade: O Ministério Público afirma que ao proferir discurso a embaixadores na condição de chefe de Estado, o ex-presidente cometeu conduta vedada a candidatos.”Tanto assim que foram chamados ao evento embaixadores e altas autoridades nacionais”, diz.
- Desvio de finalidade: Segundo a Procuradoria, Bolsonaro utilizou bens públicos em busca de benefícios pessoais. “O desvio de finalidade (da reunião realizada com os embaixadores) está caracterizado”, diz o documento.
- Uso indevido dos meios de comunicação: No parecer, o MP também considerou que houve uso indevido dos meios de comunicação porque a reunião com os embaixadores foi transmitida pelas redes sociais oficiais do governo. O encontro também foi transmitido pela TV Brasil.
O ex-presidente é alvo de um instrumento chamado de ações de investigação judicial eleitoral (Aije). Previstas na Lei de Inelegibilidade, de 1990, essas ações podem ser apresentadas ao TSE por candidatos, partidos ou pelo Ministério Público. O objetivo é investigar “uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade”, além de utilização indevida de meios de comunicação.
No documento do Ministério Público, o órgão pede à Corte Eleitoral a condenação somente de Bolsonaro e se manifesta pela absolvição do então candidato a vice-presidente, Walter Braga Netto, por não ter havido a participação dele nos fatos investigados.
O parecer é assinado pelo vice-procurador-geral eleitoral Paulo Gonet. Ele argumenta que, após o evento com embaixadores, “percebeu-se uma inédita mobilização de parcelas da população que rejeitavam aberta e publicamente o resultado das eleições”. “É fato notório que surgiram acampamentos e manifestações de rua animados por pessoas convictas de que as eleições haviam sido fraudadas. Estão ainda muito presentes e nítidas as imagens do dia 8 de janeiro último de destruição e de acintosa violência dos Poderes constituídos”, disse.
“Fatos relevantes” apontados pelo MP:
- ‘Live’ sobre urnas: Na reunião com embaixadores, Bolsonaro citou uma “live” feita por um programador em outubro de 2018 na qual esse suposto especialista diz que é possível fraudar a eleição alterando o código-fonte das urnas. A acusação, sem provas, nunca foi comprovada.
- Invasão hacker: O ex-presidente também disse aos embaixadores que o TSE sofreu uma invasão de hackers em 2018, mas omitiu que o tribunal afastou qualquer risco para a votação. O hacker teve acesso apenas a dados administrativos, e não às urnas.
- Ataques às urnas: Para a Procuradoria, Bolsonaro vinha formulando uma linha de ataques às urnas muito antes da reunião com embaixadores, como mostra uma entrevista a um programa televisivo em 4 de agosto de 2021.
- Discurso recorrente: Do mesmo modo, o órgão cita uma live transmitida por Bolsonaro em 12 de agosto de 2021, em que os mesmos temas apareceram
O procurador ressaltou, no entanto, que seu parecer não analisou os fatos do ponto de vista criminal, mas estritamente eleitoral, e disse que seu posicionamento não vincula as ações de Bolsonaro naquela ocasião aos atos golpistas de 8 de janeiro.
Na manifestação enviada ao TSE, Gonet rebateu o argumento da defesa de Bolsonaro de que, ao expor sua desconfiança sobre o processo eleitoral, o então presidente estava apenas buscando contribuir para o aperfeiçoamento do sistema. Para o procurador, esse debate já havia sido encerrado pelo Congresso, que em 2021 rejeitou uma proposta que instituía a impressão do voto.
“A decisão a esse respeito já havia sido tomada (pelos parlamentares) e muito recentemente. A escusa do propósito do discurso de contribuir para a melhoria do sistema, portanto, não se sustenta em fundamento que impressione”, afirmou Gonet.
“As críticas do Presidente da República só poderiam ser vistas como alerta para os brasileiros e para o mundo de que o resultado das eleições não podiam ser recebidos como confiáveis e legítimos – tudo isso, além do mais, num contexto em que pesquisas eleitorais situavam o adversário do investigado como melhor posicionado na preferência dos cidadãos”, observou o procurador, em referência à dianteira de Lula.
A ação, uma Aije (ação de investigação judicial eleitoral) ajuizada pelo PDT, deve ser levada ao julgamento do plenário do TSE, composto por sete ministros, até o início de maio. Caso seja considerada procedente, a pena aplicada é a inelegibilidade por oito anos. Ou seja, se for condenado, Bolsonaro só poderá disputar eleições a partir de 2032.
Procurada, a defesa de Bolsonaro afirmou que não poderia se posicionar sobre o parecer enquanto ele continua em sigilo de Justiça. A equipe do advogado Tarcísio Vieira de Carvalho Neto lembrou que protocolou nesta quinta-feira uma petição ao corregedor-geral do TSE, Benedito Gonçalves, para que fosse retirado o segredo do processo. (Colaborou Eduardo Gonçalves O Globo)