O Globo – A operação da Polícia Federal que flagrou o deputado Josimar Maranhãozinho manipulando maços de dinheiro em seu escritório político em São Luís, capital do Maranhão, contou com momentos que mais parecem cenas de filme. Numa madrugada, autorizados por decisão judicial, policiais instalaram uma câmera escondida, mas a operação quase foi por água abaixo por falhas técnicas no equipamento.
Ao longo de duas semanas, em outubro de 2020, a rotina do parlamentar em seu escritório político foi monitorada pela polícia. Foram instalados equipamentos de gravação e transmissão em tempo real de imagem e som em três salas do escritório, incluindo o cômodo onde fica a mesa de trabalho do parlamentar.
Com autorização do Supremo Tribunal Federal, uma equipe de sete policiais, incluindo um perito, ingressou de forma sigilosa no imóvel para instalar os equipamentos. Para não chamar a atenção de curiosos nem do próprio deputado, todo o trabalho foi feito na madrugada de 19 de outubro. No total, foram instalados, no interior do escritório, oito equipamentos de gravação e transmissão de áudio e vídeo.
O escritório fica no alto de uma torre comercial no bairro Jardim Renascença, um dos metros quadrados mais caros de São Luís. Eram exatamente 1 hora e 21 minutos do dia 19 quando os investigadores entraram no escritório. Antes disso, a equipe já tinha executado as chamadas “contramedidas”. Ou seja, desligado câmeras de segurança e sensores de alarme do corredor e do próprio escritório. O receio era de que, ao entrar no imóvel, algum alarme disparasse e colocasse toda a operação a perder.
Já no interior do escritório, os investigadores instalaram, primeiro, um gravador e um transmissor de áudio na sala de entrada. No cômodo ao lado, posicionaram mais um gravador de áudio. Na sala principal, onde o deputado despacha com mais frequência, a PF instalou um dispositivo que grava as escutas ambientais e outro que transmite, em tempo real, as conversas captadas. Também instalaram na mesma sala, a 1207, uma câmera que transmitia em tempo real, para a equipe que monitorava o parlamentar do lado de fora, tudo o que filmava.
Os policiais passaram mais de 4 horas no interior do escritório naquela madrugada. Quando já eram 5 horas e quarenta minutos, e o dia já começava amanhecer, os agentes perceberam que não havia mais tempo de continuar o trabalho e decidiram deixar o local sem instalar todos os equipamentos que haviam levado. Havia o temor de que algum funcionário de Maranhãozinho chegasse para trabalhar e encontrasse os investigadores no local. Em um dos relatórios periciais anexados ao inquérito, o chefe da investigação anotou que “não foi possível efetuar nesse período, por razões técnicas e de tempo hábil, a instalação de todos os equipamentos necessários a captar som e imagem de todos os ambientes”.
Mas o trabalho feito naquelas horas já permitia que os investigadores acompanhassem tudo o que estava se passando dentro do escritório, em tempo real.
Imprevisto
No dia 21 de outubro, ao analisar o material que estava sendo produzido no curso da captação ambiental, a PF verificou que alguns arquivos haviam sido corrompidos. O sinal de recepção estava oscilando, impossibilitando a equipe externa de acompanhar o que estava sendo capitado.
A equipe técnica foi chamada e tentou realizar o download de todos os arquivos de vídeo produzidos até aquele momento, mas constatou que a velocidade da transmissão de vídeo estava muito baixa e, ao corrigir o problema, o aparelho deixou de responder aos comandos de forma remota.
Foi o momento de maior dificuldade da operação, pois os policiais precisaram entrar de novo no escritório — algo que não estava previsto no roteiro de investigação. Na madrugada de 22 para 23 de outubro, a 1 hora e 1 minuto, os policiais voltaram ao imóvel com o objetivo de solucionar o defeito apresentado e melhorar a transmissão de dados coletados . Às 2 horas e 28 minutos o trabalho foi finalizado. Os investigadores reposicionaram o transmissor e estabeleceram conexão dos equipamentos. Tudo isso só poderia ter sido feito de forma presencial.
O conserto foi providencial para a PF, que conseguiu registrar, nos dias seguintes, os principais flagrantes contidos no inquérito. O vídeo em que Maranhãozinho aparece manuseando uma caixa de dinheiro, que os policiais acreditam ser provenientes de verba desviada de emendas parlamentares, só foi possível por causa do conserto.
A PF suspeita que o dinheiro manuseado pelo deputado seja proveniente de um esquema de desvio de emendas parlamentares por meio de prefeituras do Maranhão, que contratariam empresas ligadas ao parlamentar para desviar os recursos. Em 27 de outubro, cinco dias após o conserto dos equipamentos, outro vídeo mostra o parlamentar contando que Valdemar cumpriu um acordo e deu R$ 9 milhões durante as eleições municipais de 2020. “Valdemar”, segundos os investigadores, seria Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido que abrigou recentemente o presidente Jair Bolsonaro.
A cena foi captada pela câmara posicionada em frente à mesa de trabalho do deputado. Foi esse equipamento que gravou e transmitiu as principais cenas contidas no inquérito. Nas imagens, Maranhãozinho aparece sentado em uma cadeira de couro, com uma estante ao fundo. No móvel, há um porta-retrato, algumas plantas e objetos de decoração. Na lateral esquerda da mesa, é possível visualizar um telefone, onde o parlamentar realizava chamadas no modo viva voz, o que permitiu à PF ter acesso a boa parte das conversas do parlamentar com seus aliados políticos. Também é possível ver um equipamento utilizado pelo deputado para realizar lives na internet para seus apoiadores.
Investigado por suspeita dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e fraude em licitação, Maranhãozinho nega qualquer irregularidade. Em uma live transmitida nas redes sociais, na noite desta segunda-feira (6), ele se defendeu. Disse que “não fez nada ilícito” e culpou a oposição por, segundo ele, “distorcer” a verdade.
— Quando eu apareço naquele vídeo eu estava pagando uma conta de equipamentos. Já podemos comprovar judicialmente no momento oportuno. Querem levar para o lado da maldade, para alguma negociação ilícita que não existe — afirmou.
O parlamentar também afirma que não ocupa mais o imóvel flagrado na investigação porque “precisava de um escritório maior”.
— Esse escritório deixou de ser nosso há mais de seis meses. Essas imagens foram de outubro do ano passado. Quinze dias te filmando como se fosse um ‘big brother’. Aparece a minha imagem. Eu manuseio recursos em espécie. Não tem nenhuma negociação ilícita. Quando eu apareço naquele vídeo (do dinheiro) eu estava pagando uma conta de equipamentos. Já podemos comprovar judicialmente no momento oportuno. Querem levar para o lado da maldade, para alguma negociação ilícita que não existe — justificou. O Globo