A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria nesta quinta-feira (11) para condenar Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes, sob acusação de liderar uma trama para permanecer no poder. É a primeira vez na história do país que um ex-presidente deve ser punido por esse crime.
O resultado parcial de 3 votos a 1 foi alcançado com a ministra Cármen Lúcia. Em sua manifestação, ela se alinhou ao relator Alexandre de Moraes, apontou Bolsonaro como líder da trama e se contrapôs à posição do colega Luiz Fux, que votou pela absolvição de Bolsonaro e minimizou a gravidade das acusações.
Cármen também formou uma maioria para condenar os demais sete réus do núcleo central por outros quatro crimes além de tentativa de golpe de Estado: tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.
Depois dela, ainda precisará votar Cristiano Zanin. Embora a maioria já esteja formada, só depois do último voto a condenação é confirmada —até lá é possível, embora raro, haver mudança de entendimento dos ministros.
A pena máxima para essas acusações, com um agravante do papel de liderança atribuído a Bolsonaro, pode chegar a 43 anos de prisão. Os ministros ainda vão discutir, na sexta-feira (12), o tamanho da punição aplicada a cada um dos réus.
O ex-presidente só deve ser preso após o fim do processo, quando a defesa de Bolsonaro não tiver mais recursos a apresentar ao Supremo. A jurisprudência do tribunal define que a pena só deve ser cumprida após a rejeição dos dois primeiros embargos.
Sua condenação se dá em meio à pressão de aliados por uma anistia no Congresso e está inserida em um ambiente de polarização política com implicações na eleição presidencial do ano que vem. Ministros do STF vêm se posicionando contra esse perdão e em defesa da punição dos réus condenados.
O STF chegou ao placar para condenar Bolsonaro e outros réus um dia depois que Luiz Fux abriu uma divergência e condenou apenas dois deles, por acusações mais leves do que as apresentadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República).
Cármen deu indiretas a Luiz Fux desde os primeiros momentos do voto. Ainda na avaliação das questões preliminares, sobre formalidades do processo, ela discordou do ministro e afirmou que a competência para julgar o caso é do STF. “E eu sempre votei do mesmo jeito”, afirmou, citando o processo do mensalão, do qual ambos participaram.
O ministro Gilmar Mendes, que não faz parte da Primeira Turma, esteve na sessão desta quinta-feira e se sentou na primeira fila do plenário, num gesto que foi descrito por ministros do grupo de Moraes como um gesto de apoio e uma manifestação de isolamento de Fux.
“Fez prova cabal de que o grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro e composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022, minar o livre exercício dos demais Poderes constitucionais, especialmente do Poder Judiciário.”
Bolsonaro foi denunciado por coordenar, no final de 2022, uma série de negociações e ações com o intuito de permanecer no poder e impedir a posse de Lula (PT), uma possibilidade que não se vislumbrava no país havia 60 anos.
Moraes abriu o julgamento com um longo voto em que atribuiu a Bolsonaro o papel de liderança da trama. “O líder do grupo criminoso deixa claro, de viva voz, de forma pública, que jamais aceitaria uma derrota nas urnas, uma derrota democrática nas eleições, que jamais cumpriria a vontade popular”, afirmou.
Dino foi o segundo a votar. Ele acompanhou integralmente a posição de Moraes quanto à condenação de Bolsonaro e da maior parte dos réus, afirmando que “não há dúvidas” de que o ex-presidente e Braga Netto ocupavam posições de comando na organização criminosa. Ele indicou que pode votar por penas mais brandas para alguns réus, como os ex-ministros Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira.
Em um voto com cerca de 12 horas de duração, mais que o dobro do tempo usado por Moraes, Fux afirmou rejeitou as acusações contra Bolsonaro e outros quatro réus. Ele votou pela condenação do tenente-coronel Mauro Cid e do ex-ministro Walter Braga Netto por apenas um dos cinco crimes: tentativa de abolição do Estado democrático de Direito.
Para Fux, não ficou demonstrado que o ex-presidente tenha praticado atos executórios, que se diferenciariam da preparação, de declarações ou de discussões em relação a uma ruptura. Ele minimizou a minuta golpista, apontou que Bolsonaro não poderia ser acusado de golpe quando estava no mandato e afastou sua responsabilidade pelos ataques de 8 de janeiro.
Durante a sessão, Fux manifestou uma série de divergências com Moraes e outros ministros, num enfrentamento direto com a conduta do relator do processo. Ele votou pela nulidade da ação, por entender que o STF não seria o foro adequado para julgá-lo, e descartou a condenação dos réus por organização criminosa e dano ao patrimônio.
O voto de Fux surpreendeu as defesas dos réus, após meses de incerteza sobre como ele se posicionaria diante do avanço do processo contra o ex-presidente. Os advogados dos acusados identificaram argumentos para questionar a ação no futuro e, eventualmente, anular uma provável condenação.
O posicionamento do ministro irritou a ala do tribunal próxima de Moraes, que enxerga um alinhamento com o bolsonarismo no julgamento.
Jair Bolsonaro foi denunciado pela PGR pelos crimes de golpe de Estado, abolição do Estado democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.
O procurador-geral Paulo Gonet disse na denúncia que Bolsonaro foi o líder de uma organização criminosa que tinha como base um projeto autoritário de poder com “forte influência de setores militares”.
A denúncia da PGR afirmou que os crimes começaram a ser cometidos em 29 de julho de 2021. Naquele dia, Bolsonaro reuniu integrantes do governo para fazer uma live nas redes sociais com seu principal ataque contra as urnas eletrônicas.
Depois, diz Gonet, o ex-presidente prosseguiu com discursos públicos para “inculcar sentimento de indignação e revolta nos seus apoiadores com o propósito de tornar aceitável e até esperável o recurso à força contra um resultado eleitoral em que o seu adversário político mais consistente triunfasse”.
A denúncia destaca que Bolsonaro exortou à desobediência de decisões judiciais, espalhou informações falsas sobre as eleições, atacou ministros do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e incitou as Forças Armadas contra seus adversários.
“O que parecia, à época, um lance eleitoreiro, em si mesmo ilícito e causador de sanções eleitorais, mostrou-se, a partir da trama desvendada no inquérito policial, um passo a mais de execução do plano de solapar o resultado previsto e temido do sufrágio a acontecer logo adiante”, diz Gonet na denúncia.
Uma resposta
Resolveram rasgar, mesmo, a nossa Carta Magna!!!