• Comissão de Ética sob Lula arquiva denúncia sobre Juscelino Filho liberar ministério para sogro

    A Comissão de Ética Pública da Presidência da República arquivou, em decisão unânime, a investigação contra o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, por abrir o gabinete da pasta ao seu sogro nos primeiros meses do governo Lula mesmo sem que ele tivesse qualquer cargo ou função pública. Juscelino Filho alegou que o empresário Fernando Fialho é “detentor de reconhecida experiência profissional na administração pública” e colaborou “com um retrato sobre a situação da pasta”.

    A atuação do empresário no ministério, inclusive cumprindo agendas sem que estivesse nomeado, foi revelada pelo Estadão e resultou na abertura de um processo na Comissão de Ética.

    Ao votar pelo arquivamento no colegiado, o conselheiro e relator Bruno Espiñeira Lemos afirmou que o primeiro ano do governo Lula “foi marcado pela criação de nova estrutura administrativa na Esplanada e que diversos órgãos foram completamente recriados”. Por isso, alegou que “há de se entender as dificuldades que todas as pastas enfrentaram no período, inclusive o Ministério das Comunicações”.

    “É compreensível que o interessado José Juscelino dos Santos Rezende Filho, ao assumir tão importante pasta, tenha procurado cercar-se, no âmbito do MCom, de pessoas que conhecessem a estrutura e os meandros da Administração Pública”, afirmou o conselheiro. O voto dele foi acompanhado à unanimidade.

    A pasta chefiada por Juscelino Filho já existia no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Além disso, como mostrou a reportagem, o ministro Juscelino Filho manteve a equipe que trabalhava com o antecessor, Fábio Faria, no alto escalão da pasta. Parte da equipe só foi trocada no começo de 2024.

    Em junho do ano passado, o Estadão revelou que registros da portaria do Ministério das Comunicações, obtidos via Lei de Acesso à Informação, indicavam que o sogro de Juscelino havia atendido empresários na sede da pasta, em Brasília. Fernando Fialho recebeu os convidados inclusive quando o genro estava fora da capital, cumprindo agenda no Maranhão, sua base eleitoral.

    A reportagem localizou e ouviu empresários recebidos pelo sogro. Um deles definiu o papel de Fialho como sendo de “apoio”. Um outro relatou à reportagem ter tratado de internet e debatido a “expansão da conectividade” com o sogro de Juscelino. “Fui apresentar ao ministério soluções plausíveis que podem ser adotadas para melhoria e expansão da conectividade da Região Norte e Nordeste do País”, disse Luiz Claudio Soares Pereira, diretor da Infovia Digital, no ano passado.

    O processo da Comissão de Ética que investigou Juscelino Filho foi aberto em 15 de junho do ano passado. O colegiado julgou o caso em 20 de março e decidiu pelo arquivamento. Se constatasse alguma irregularidade, os conselheiros poderiam propor ao presidente da República advertência, censura pública, suspensão e, até mesmo, a demissão do ministro.

    Embora tenha votado pelo arquivamento, o conselheiro Bruno Espiñeira Lemos recomendou a Juscelino Filho que “cumpra sua missão com a mais absoluta atenção aos normativos”. Sugeriu, ainda, evitar “manter rotinas e expedientes cotidianos nas instalações do ministério com pessoas sem vínculo administrativo, sem as devidas justificativas legais, sob pena de cometer irregularidades e eventuais desvios éticos”. O conselheiro foi designado ao cargo em fevereiro de 2023 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com mandato de três anos.

    O que Juscelino Filho alegou à Comissão de Ética
    O ministro de Lula disse ao colegiado que o sogro é “detentor de reconhecida experiência profissional na administração pública” e esteve no Ministério das Comunicações de ” forma voluntária” para “colaborar com um retrato sobre a então situação da pasta”. “Tal auxílio de forma voluntariosa deu-se no período da transição, notadamente conhecido como ‘os 100 dias’”, afirmou.

    Segundo registros da comissão, Juscelino Filho disse que “nunca aventou a possibilidade de nomear seu sogro para cargo no Ministério”. Na avaliação do ministro, o fato de Fialho atuar “em mercados distintos da atividade-fim” do ministério afasta “indícios de interesse dele nos assuntos da pasta”.

    Juscelino Filho pediu o arquivamento do caso, “dado que a presença do seu familiar em ocasiões pontuais nos primeiros momentos da gestão não configuraria ilicitude ou comportamento antiético”.

    Fernando Fialho não tem relação com a área de telecomunicações ou de radiodifusão. O empresário foi diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) por cinco anos, entre 2006 e 2012. Também exerceu cargo de secretário de Estado do Maranhão entre abril de 2012 e dezembro de 2014, no segundo governo de Roseana Sarney (MDB).

    O conselheiro Bruno Espiñeira Lemos afastou a alegação de que o sogro teria atuado durante o período de transição. Segundo o relator, não se poderia falar em “transição de governo” no primeiro ano de um governante eleito.

    No voto, o conselheiro citou um caso recente envolvendo o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, julgado em 11 de dezembro de 2023. Bruno Espiñeira Lemos anotou que a comissão “aprovou a tese de que as autoridades, ao buscar auxílio de profissionais qualificados durante os primeiros meses de investidura em cargos de alta responsabilidade, nem sempre incorrem em infrações éticas”.

    Segundo o conselheiro, o colegiado adota “a presunção (relativa) de que o agente público atua de forma isenta perante outros agentes da Administração Pública”. Tal presunção só poderia ser revista “mediante prova” de que o sogro estivesse “assinando ou promovendo atos administrativos de maneira irregular, com o apoio e conhecimento” de Juscelino Filho, “o que poderia ferir o princípio da legalidade que embasa o serviço público”.

    “Nesse ponto, considerando que o sogro apenas contribuiu com sua experiência por meio de conversas, discussões ou aconselhamento técnico, não vejo elementos configuradores de infração ética”, disse o conselheiro. “Entendo que os esclarecimentos trazidos pelo interessado são suficientes para afastar eventual indício configurador de condutas adversas ao sistema normativo ético.” (Estadão)

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