UOL – A construção de um condomínio clube de alto luxo a apenas 200 metros de dunas do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, no município de Santo Amaro (MA), gerou preocupação de entidades e autoridades, que tentam barrar a obra. O caso foi parar na Justiça.
O projeto “Terra Ville Residence”, que iniciou obras este ano, tem 102 mil m² e oferece 232 lotes residenciais em um condomínio com 22 equipamentos de lazer. Cada lote à venda tem o mínimo de 300m² (com preço acima de R$ 180 mil, cada um) e permite a edificação de até dois pavimentos. Além disso, o projeto tem uma construção com três andares com heliponto e equipamentos.
A obra teve licenciamento dos governos municipal e estadual, que são agora questionados pelo MPF (Ministério Público Federal).
A denúncia da ilegalidade da obra foi feita pelo ICMBIo (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) — responsável pelo Parque — e pelo Conselho Municipal do Turismo, que mandou a primeira nota técnica com denúncia em janeiro de 2024.
A consolidação desse empreendimento abrirá precedentes para que toda a margem do campo de dunas, sob a competência do município e dentro da Zona de Amortecimento do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, seja tomada por outros empreendimentos e construções com gabarito de 3 pavimentos ou mais, acarretando na ocorrência de danos ambientais irreversíveis. Conselho Municipal do Turismo
Já o ICMBio informou que, por conta do empreendimento estar em área de amortecimento, o órgão deveria ter sido consultado para licenciamento. Uma nota técnica do órgão afirma que haverá especulação imobiliária e ocupação desordenada da área.
A presença de um condomínio com 232 lotes residenciais a pouco mais de 200 metros do campo de dunas irá inviabilizar o controle e monitoramento da visitação. Serão centenas de veículos com acesso descontrolado ao parque, eventualmente conduzidos por motoristas sem treinamento ou sem habilidade necessária para transitar no campo de dunas, aumentando significativamente o risco de acidentes. ICMBio
Ação na justiça
Diante dos argumentos, o MPF entrou com ação no último dia 18 de outubro pedindo uma liminar para a obra ser parada e a determinação para que seja demolido que já foi feito irregularmente. Ainda não decisão.
Para o órgão, o condomínio urbaniza uma área que deve ser, por lei, rural.
A implantação do loteamento, com a construção de centenas de unidades habitacionais, arruamentos e infraestrutura urbana característica de um bairro, conduzirá a um estado de coisas de difícil reparação, com custo econômico elevado, a ser suportado pela parte requerida e com impactos a terceiros, medidas de difícil execução. MPF na ação
Segundo o projeto, o local terá “infraestrutura completa com abastecimento de água, rede de esgoto, eletricidade, pavimentação e iluminação pública.”
Na investigação, o MPF aponta que houve ausência de análise de impactos ambientais. O licenciamento do empreendimento foi considerado insuficiente por não descrever os impactos sobre o parque. Além disso, órgãos públicos teriam desconsiderado a zona de amortecimento.
Na ação, o procurador Alexandre Silva Soares alega que o condomínio trará diversos prejuízos ao ecossistema.
Segundo o MPF, a zona de amortização deve servir como área de transição entre o parque e as áreas urbanizadas. “Essa urbanização comprometeria a função ecológica da zona de amortecimento, que é proteger o parque dos impactos negativos das atividades humanas”, diz a ação.
Como o condomínio prevê uma edificação de três andares, isso também causaria uma alteração significativa na paisagem local, impactando negativamente a experiência dos visitantes do Parque.
Além disso, se levado à frente, o condomínio criaria um “ambiente propício para novos empreendimentos semelhantes”, o que na visão do MPF poderia levar a um processo de especulação imobiliária e à urbanização descontrolada da zona de amortecimento.
Procurada, a Sema (Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais do Maranhão) assegurou que o processo de licenciamento “foi conduzido com rigor e em total conformidade com as legislações ambientais federais e estaduais, de forma a evitar qualquer interpretação equivocada das normas.”
Alega que o empreendimento está “fora dos limites do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses” e é classificado como de “médio impacto ambiental, o que exige apenas a comunicação ao ICMBio, procedimento que foi devidamente realizado.”
Procurada, a Prefeitura de Santo Amaro não quis se pronunciar. A certidão de aprovação de loteamento foi dada em agosto de 2023
Chefe do parque preocupada
A chefe do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, Cristiane Ramscheid, diz ver com preocupação o projeto. “Uma zona de amortecimento, dentro da legislação ambiental, não pode ser transformada em uma zona urbana”, reforça.
“Esse é um primeiro empreendimento desse porte no entorno dos campos de dunas dos Lençóis Maranhenses em Santo Amaro, em uma região que é área rural. A transformação em área urbana pode causar impactos. A importância do licenciamento ambiental é impedir ou mesmo reduzir as situações negativas”, diz.
Cristiane afirma que é possível fazer um condomínio, mas o projeto precisa ser adequado a zona de amortecimento do parque.
A grande questão desse empreendimento é a intensidade da área ocupada. Seria possível a construção na zona de amortecimento, mas com imóveis de características rurais, não com essa quantidade de lotes, pessoas, veículos, esgotamento sanitário, infraestrutura urbana. É uma ocupação inadequada para a zona onde ela está inserida. Cristiane Ramscheid
O UOL tentou, pelo contato disponível no Instagram do condomínio, falar com a construtora responsável, mas não obteve resposta. No sistema judicial, não aparece quem está na defesa do caso. O espaço está aberto para manifestação.