Antes de se tornar presidente da República, José Sarney cultivava, em São Paulo, um grupo de amigos de farra. Havia Mathias Machline – dono da Sharp Brasil -, o advogado Saulo Ramos, Luiz Bocalato, dono da Copas, fabricante de fertilizantes, e o indizível Edemar Cid Ferreira, dono do falido Banco Santos e morto na semana passada.
Edemar nasceu em Santos, filho de funcionário público e dona de casa. Em 1963 ingressou no Banco do Brasil. Segundo sua biografia, na Wikipedia, ganhou uma bolsa de estudos da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) para aperfeiçoamento em marketing de exportação de manufaturados. Com a bolsa, realizou estágios na Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Japão.
Conhecendo-se a história e a imaginação de Edemar, sugere-se desconfiar dessas informações.
Fato é que, em 1969, conseguiu uma carta patente para operar a Santos Corretora de Câmbio e Valores, que ganhou boa dimensão. Provavelmente, ao lado de Saulo Ramos, foi um dos responsáveis pela Operação Patrícia, uma tentativa de aplicar um corner no mercado mundial de café, e que terminou em desastre e escândalo.
Quando Sarney assumiu a presidência, começou o preparo do Plano Cruzado – a primeira tentativa de domar a inflação através de um plano monetário. O lançamento foi adiado porque o Banco Santos passava por crise brava. Sarney incumbiu seu assessor econômico, Luiz Paulo Rosenberg, de ajudar Edemar a se safar da crise antes de lançar o Cruzado.
Com Sarney, Edemar embalou e passou a conquistar grandes negócios de Estado. Tentou manter a influência no governo Collor, através de um expediente canhestro – mas eficaz no mundo de Brasília. Procurava pessoas do segundo escalão, nomeadas para cargos estratégicos, e se apresentava como seu padrinho junto a PC Farias.
Sei disso porque um ex-colega de ginásio, que trabalhava na Telebrás, foi abordado insistentemente por Edemar. Mencionei as investidas no Guia Financeiro, carta semanal da Agência Dinheiro Vivo, e logo em seguida Edemar me telefonou avisando que iria parar com o assédio.
Nos anos 90, já era um perdulário e um banqueiro totalmente imprudente. Tornou-se colecionador de obras de arte caríssimas, com vernissages disputadas a tapa pelos jornalistas. É a ele que me referi no artigo “Japonês da Aclimação e o mecenas”, no qual denunciei o massacre da Escola Base.
“O japonês da Aclimação vai ajudar a brava sociedade brasileira a purgar seus erros e permissividades. Desconfiou-se em sua escolinha, donos professores e pais de alunos praticavam abusos sexuais contra pequenos alunos de quatro anos de idade. Um roteiro para Marquês de Sade nenhum botar defeito.
Não há nenhuma prova conclusiva para as acusações. Não há sequer laudos que comprovem definitivamente a prática de abusos sexuais.(…)
Em São Paulo, um banqueiro foi acusado de integrar o esquema PC Farias junto a Fundos de pensão e ao sistema Telebras. Um grande empresário carioca, homem de vida pública conhecida e de boa reputação acusou-o frontalmente de ter exigido propinas para liberar uma licitação. Outro empresário, do setor de telecomunicações, acusou-o de tê-lo procurado em nome do próprio PC-Farias.
Nenhuma medida foi tomada pelo Ministério Público Federal para apurar os fatos. Fosse apenas um empresário paulista, o banqueiro provavelmente teria sua vida, investigada. Mas é também genro de um senador da República.
A brava elite paulista transformou-o em seu mecenas particular, sem se preocupar sequer em cobrar-lhes explicações cabais para as acusações. Ele é personagem ativo das colunas sociais, sua casa é frequentada por personalidades conhecidas da vida intelectual e empresarial, suas festas elogiadíssimas, assim como suas virtudes de enólogo. Tem dinheiro e é grande amante das artes. Um grande praça, sem dúvida.
Não se assuma a presunção da culpa. Pode ser que seja inocente. Pode ser que seja culpado. O fato é que em nenhum momento as suspeitas provocaram sequer o constrangimento, que é o sinal mais tênue de existência de princípios éticos regendo relações sociais.
Mas pouco importa. O poderoso japonês da Aclimação está aí mesmo, para mostrar que com a sociedade brasileira não se brinca”.
As vernissages de Edemar eram em sua mansão de 8 mil metros quadrados e cinco andares. A mansão custou 140 milhões de reais, foi projetada por Ruy Ohtake, paisagismo de Burle Marx e contava com esculturas de Oscar Niemayer.
A casa tem piscina coberta e descoberta, salão de ginástica, quadras de ginástica e squash, heliponto e banheiros de vidro com tecnologia que altera a cor para sinalizar que alguém estava usando. Com a quebra do banco Santos, todos seus bens foram a leilão, incluindo obras de arte e a mansão.
Não se soube se o amigo Sarney veio no enterro. (Por Luis Nassif)