• Moraes cita Moraes 44 vezes e acumula mais um caso em que é personagem e juiz ao mesmo tempo

    No texto em que autorizou a operação da Polícia Federal realizada nesta terça-feira (19), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes foi o principal personagem de sua própria decisão, reproduzindo 44 citações a si mesmo.

    O magistrado figura nas investigações da Polícia Federal ao lado de Lula (PT) e Geraldo Alckmin (PSB) como alvos de assassinato pela trama golpista que se desenrolou no final do governo de Jair Bolsonaro (PL) —políticos citados na mesma decisão, respectivamente, 16, 12 e 28 vezes.

    A operação desta terça é mais uma em que o ministro do STF figura fora da atribuição exclusiva de julgador. Desta vez como personagem central do caso investigado, é citado na decisão em terceira pessoa.

    “Ressalta a representação policial que, com o aprofundamento da investigação, a partir da realização da operação Tempus Veritatis e da análise dos dados armazenados nos telefones celulares apreendidos em
    poder de Rafael Oliveira [um dos investigados], ‘a investigação logrou êxito em identificar novos elementos de prova que evidenciaram a efetiva realização de atos voltados ao planejamento, organização e execução de ações de monitoramento do ministro Alexandre de Moraes'”, escreveu o ministro em uma das referências a si mesmo, reproduzindo parte de trecho da peça policial.

    A Folha procurou Moraes por meio da assessoria do STF, mas não houve manifestação.

    Uma série de reportagens da Folha mostrou, com base em conversas de um ex-assessor seu no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que nas investigações do inquérito das fake news Moraes agiu fora do rito, adotando atitudes que em um processo normal são atribuições da Polícia Federal (o órgão que investiga) e da Procuradoria-Geral da República (o órgão que faz a acusação).

    Entre outros casos, as conversas indicam que os alvos de investigação eram escolhidos pelo ministro ou por seu juiz assessor, que Moraes utilizou o órgão de combate à desinformação do TSE para levantar informações e produzir relatórios contra manifestantes que xingaram ele e colegas e que ordenou o endurecimento contra o X (antigo Twitter) após Elon Musk se negar a fazer a moderação de conteúdo nos termos defendidos pelo magistrado.

    Após a publicação das reportagens, o ministro do STF abriu de ofício (sem provocação externa) inquérito sobre o vazamento das mensagens trocadas entre seus auxiliares. Em mais uma ação que tem ele próprio como personagem.

    A menção a um ataque às instituições tem servido como argumento para que o ministro acumule apurações sob o seu comando desde 2019, com o controverso inquérito das fake news e seus desdobramentos.

    Quando foi aberto, esse inquérito se propunha a investigar a existência de notícias falsas, denunciações caluniosas e ameaças contra os membros do STF e seus familiares. Acabou servindo de motivação para diversas decisões do ministro.

    Criticado desde o nascedouro, o inquérito é uma espécie de síntese da polêmica envolvendo a discussão sobre os poderes de Moraes.

    Ele foi aberto sem solicitação do Ministério Público, com base em interpretação alargada do regimento interno da corte e ganhou legitimidade conforme as ameaças à corte e à própria democracia cresciam em volume no governo Bolsonaro.

    Um dos principais argumentos favoráveis ao seguimento da apuração foi o de que outras instituições, como a PGR sob Augusto Aras, estavam sendo omissas.

    Designado relator do inquérito das fake news sem sorteio, Moraes virou alvo de bolsonaristas e adotou uma série de apurações, com algumas decisões vistas como duras demais e, por vezes, controversas.

    Passada a gestão Bolsonaro, o inquérito perdura até hoje, mais de cinco anos e meio após sua abertura.

    Na investigação da minuta de decreto para executar o plano golpista, com a decretação de prisão de várias autoridades, como do próprio Moraes, a defesa de Bolsonaro chegou a pedir o afastamento do ministro sob o argumento de que ele seria uma “vítima direta” das condutas investigadas e que tinha interesse no resultado do processo.

    O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, negou o pedido dizendo que ele era genérico, subjetivo e sem base jurídica. Afirmou que deveria ser demonstrado “de forma clara, objetiva e específica, o interesse direto no feito por parte do ministro alegadamente impedido”.

    Em ocasiões anteriores, Moraes abdicou de algumas investigações. O principal caso de que ele abriu mão —mas apenas de parte dele— é de maio deste ano, quando determinou à PF que prendesse dois suspeitos de envolvimento em ameaças a eles e aos seus familiares.

    Na ocasião, foram presos o fuzileiro naval Raul Fonseca de Oliveira e seu irmão Oliverino de Oliveira Júnior.

    Em seguida, o ministro se declarou impedido de permanecer no caso, mas prosseguiu com a relatoria relacionada à suspeita do crime de tentativa de abolição do Estado democrático de Direito com emprego de violência ou grave ameaça.

    Com isso, Moraes manteve à época a prisão preventiva dos dois suspeitos, apontando que há “fortes indícios de autoria”.

    Em julho do ano passado, a PF abriu inquérito após ele e familiares serem hostilizados por um grupo de brasileiros no aeroporto internacional de Roma. Depois, o ministro se declarou impedido de participar do julgamento colegiado de dois recursos nesse inquérito.

    Especialistas têm criticado a condução de Moraes de casos que o atingem diretamente sob o argumento principal de que isso afeta a necessária imparcialidade de um juiz. Defensores da postura do ministro afirmam que suas ações foram necessárias para conter desmandos e ímpetos golpistas sob Bolsonaro. (Folha de SP)

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