O Ministério Público Eleitoral defendeu deputados “infiéis” que contrariaram a orientação de seus partidos na votação da reforma da Previdência, no ano passado, e alegou não ver descumprimento da regra de fidelidade partidária. Em pareceres obtidos pelo Estado, a Procuradoria afirmou que houve “grave discriminação pessoal” contra os deputados Gil Cutrim (PDT-MA), Flávio Nogueira (PDT-PI), Felipe Rigoni (PSB-ES) e Rodrigo Coelho (PSB-SC), reconhecendo o direito de eles migrarem para outro partido sem o risco de perder o mandato. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve discutir a questão ainda neste semestre.
“A democracia não consente com parlamentares coarctados (contido dentro de limites, diminuído). A Constituição cuida de fazer dos legisladores pessoas livres e com prerrogativas em um estatuto jurídico que os faça invulneráveis para seguirem com tranquilidade suas consciências em sua atuação parlamentar”, escreveu o então vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques.
Jacques acaba de ser promovido a número 2 da Procuradoria-Geral da República (PGR), mas a posição da gestão de Augusto Aras sobre o assunto permanece a mesma.
Os documentos da Procuradoria falam ainda em “vingança” por parte das legendas contra os parlamentares e em falta de “democracia partidária”. “Uma sanção disciplinar necessita ser, entre outros atributos, uniforme e impessoal. Sancionam-se condutas, não pessoas. Quando o sistema disciplinar impinge temor e vingança, atesta-se o déficit de democracia partidária e o desvio de finalidade no ato sancionatório hábeis a reforçar a presença de justa causa para desfiliação”, sustenta o Ministério Público.
Em 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a infidelidade partidária pode provocar perda de mandato ao entender que o cargo político pertence ao partido, não ao parlamentar. Oito anos depois, em 2015, o Supremo determinou que a regra se aplica àqueles que disputaram pelo sistema proporcional (vereador, deputado estadual e federal), e não para quem se elegeu no sistema majoritário (prefeito, governador, senador e presidente).
Para o Ministério Público Eleitoral, nos casos dos quatro deputados, ficaram caracterizados “fatos certos e comprovados de hostilidade” que evidenciam “grave discriminação pessoal”. A minirreforma eleitoral de 2015 fixou regras para que, em casos excepcionais, o parlamentar possa mudar de sigla sem perder o mandato. Entre essas condições estão justamente “grave discriminação política pessoal” ou se o programa partidário sofrer “desvio reiterado”.
‘Coerência’
Procurado pela reportagem, o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, negou perseguição aos filiados e disse esperar que a tese do Ministério Público Eleitoral não seja acolhida pelo TSE. “Não houve perseguição, o que houve foi punição em função de que os deputados não seguiram uma questão fechada pelo diretório nacional”, declarou o dirigente. Siqueira ainda defendeu “coerência programática” em questões estratégicas, como a reforma da Previdência.
“O Parlamento é composto por partidos políticos, e os partidos têm compromissos sociais dos quais não podem abrir mão. Todas as instituições têm regras, e devem ser seguidas. Se cada um pudesse votar como quer, não precisava de partidos”, afirmou o presidente do PSB.
O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, por sua vez, disse que é preciso “aguardar a decisão da Justiça” sobre a situação dos parlamentares. Questionado sobre o tratamento diferenciado dispensado aos deputados e à senadora Kátia Abreu, Lupi afirmou que a parlamentar não foi eleita pelo PDT e que o cargo de senador “não tem fidelidade partidária”. Estadão