O segundo atentado contra indígenas da etnia Guajajara no Maranhão em menos de 40 dias aumentou a preocupação de estudiosos, ativistas e entidades de direitos humanos com a proteção desses povos e gerou reações dentro e fora do país. O governo do estado informou que irá reforçar o policiamento nas divisas com as terras indígenas, numa tentativa de monitorar e coibir a entrada de madeireiros e outras atividades ilegais na região.
Dentro da terra demarcada, a responsabilidade de fiscalização é do governo federal. O ministro da Justiça, Sergio Moro, deve decidir nesta semana se envia a Força Nacional de Segurança Pública para a região.
Estudiosos criticaram o discurso do governo federal a favor da exploração de recursos naturais em territórios indígenas.
— Há uma escalada absurda da violência. Se junta a isso uma política de desmonte de proteção de direitos indígenas, que acaba incentivando esse tipo de atitude — disse Camila Loureiro Dias professora da Unicamp e autora do livro “Os Índios na Constituição”. — É uma disputa por recursos naturais.
Adriana Ramos, secretária-executiva do Instituto Socioambiental, afirma que o quadro “reflete o descaso” do governo federal com a questão indígena:
— É fundamental que o governo do estado e o governo federal coloquem suas forças de segurança no território e façam intervenção urgente para garantir a proteção dessas terras.
No sábado, dois indígenas da etnia guajajara morreram e outros dois foram baleados, em um atentado no município de Jenipapo dos Vieiras (MA), a 506 km ao sul de São Luís. O crime aconteceu às margens da BR-226. Em protesto, os guajajaras bloquearam a rodovia — a pista foi liberado no fim da tarde deste domingo, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
‘Vergonhoso’, diz Greta
Fora do país, a jovem ativista sueca Greta Thunberg, um dos principais nomes pela luta contra os efeitos das mudanças climáticas, afirmou que os povos indígenas estão sendo assassinados por proteger as florestas.
“Os povos indígenas estão literalmente sendo assassinados por tentar proteger a floresta do desmatamento ilegal. Repetidamente. É vergonhoso que o mundo permaneça calado sobre isso”, escreveu numa rede social.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenou os assassinatos e cobrou respostas urgentes das autoridades brasileiras: “A CIDH solicita ao Brasil que investigue esses fatos com rapidez e diligência e reitera a recomendação após sua visita in loco para tratar das causas estruturais relacionadas à luta pela terra e fortalecer os mecanismos de proteção à lideranças”.
O governo do Maranhão informou que uma das vítimas baleadas está internada em estado grave e o outro poderia receber alta ainda neste domingo.
Com as mortes, sobe para três o número de guajajaras assassinados neste ano. Em 1º de novembro, Paulino Guajajara, do grupo de fiscalização “Guardiões da Floresta”, foi morto com um tiro na Terra Indígena Arariboia.
Em nota, a Fundação Nacional Nacional do Índio (Funai) lamentou o ocorrido: “Indígenas foram atingidos por tiros originados de um veículo Celta, de cor branca, e vidros espelhados. A equipe da Funai está na região, com os indígenas, providenciando o registro da ocorrência”.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) repudiou o atentado e lembrou que na última segunda-feira o indígena Humberto Peixoto, do povo Tuiuca, do Amazonas foi espancado. Ele morreu, no sábado, vítima das agressões.
“Tais crimes, contanto ainda com atentados, ameaças, tortura e agressões ocorridas por todo país contra essas populações, têm acontecido na esteira de discursos racistas e ações ditadas pelo governo federal contra os direitos indígenas”, diz a nota do Cimi.
Escalada de violência
Em 2018, 135 indígenas foram mortos no país, segundo o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, divulgado em setembro pelo Cimi. O número representou alta de quase 23% frente a 2017, quando 110 casos foram registrados. Roraima e Mato Grosso do Sul lideraram o ranking , com 62 e 38 assassinatos.
As tentativas de homicídio fizeram 53 vítimas em 22 ocorrências em oito estados. No Mato Grosso do Sul, houve oito ocorrências; no Paraná, seis. No Acre e Amazonas, duas em cada estado. Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Ceará e Maranhão registraram uma tentativa. Dessas, oito ocorreram por armas brancas e nove por armas de fogo.
O estudo do Cimi ressalta o risco para os povos indígenas com o substancial aumento de grilagem, roubo de madeira, garimpo, invasões e até mesmo da implantação de loteamentos em territórios tradicionais. Em 2018, foram registrados 109 casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio”, enquanto em 2017 houve registro de 96 casos.
Nos nove primeiros meses de 2019, dados parciais e preliminares do Cimi contabilizam, até o lançamento do relatório, 160 casos desse mesmo tipo — marca 46,7% acima da anterior. Segundo Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, secretário-executivo do Cimi, a apropriação das terras indígenas se tornou ainda mais agressiva de uns an os para cá.
—Os invasores entravam nas terras e roubavam a madeira, os minérios, a biodiversidade. Agora, querem a posse — disse ele, na divulgação do relatório. O Globo