Ao manter a prática de prometer repartir verbas federais em troca de apoio nas votações, em acordo com a cúpula do Congresso Nacional, o governo Lula não provocou surpresa em Brasília.
Em 3 de fevereiro de 1988, em meio à Assembleia Constituinte, o jornalista Gilberto Dimenstein deu um furo na Folha de S.Paulo. “Seplan tem ‘listão’ dos padrinhos de verbas”, dizia a manchete do dia, em referência à Secretaria do Planejamento da Presidência da República, com status de ministério.
As reportagens sobre a “lista da fisiologia”, que renderam um prêmio Esso ao jornalista, detalharam como a liberação de verba de programas sociais do ministério para a base eleitoral de aliados azeitou a relação na Constituinte. Dos 142 constituintes na lista, 112 apoiaram a emenda que deu cinco anos de mandato a José Sarney, pauta prioritária para o governo.
No livro “A república dos padrinhos”, publicado por Dimenstein no mesmo ano, há uma descrição do esquema que pode provocar um déjà vu em quem acompanhou a cobertura do orçamento secreto de Bolsonaro.
“Parlamentares corriam à Seplan em busca de dinheiro para suas bases; iam sem projeto, apenas com o pedido e, na maioria das vezes, com a garantia de que achavam o mandato presidencial de cinco anos ideal para o país.”
“Os pedidos não eram submetidos a exame técnico. O critério era a importância de quem pedia, se amigo ou inimigo. O processo chegava a tal ponto que o presidente Sarney assinava liberação de verbas sem fundos, sem cobertura orçamentária”, descreveu.
Em 28 de janeiro de 2021, mais de três décadas de democracia depois, o Estado de S. Paulo publicou uma reportagem com um tema parecido, da autoria de Breno Pires. “Diante da disputa pelos comandos da Câmara e do Senado, o governo abriu o cofre e destinou R$ 3 bilhões para 250 deputados e 35 senadores aplicarem em obras em seus redutos eleitorais”, escreveu, sobre o que depois o jornal chamaria de “orçamento secreto”.
Bolsonaro não inventou a roda. Nos governos petistas, o modelo de entregar ministérios de “porteira fechada” para o Centrão terceirizava para os partidos os acordos com as suas bancadas, mas aliados já faturavam com liberações maiores do que as emendas parlamentares a que tinham direito.
Na gestão Michel Temer, o então ministro da Casa Civil Eliseu Padilha também detinha um “listão”. No primeiro ano de governo Bolsonaro, ainda sem as emendas de relator com o controle formal do Congresso, o governo despejou dinheiro extra para quem votou na reforma da Previdência.
Com a proibição das emendas de relator pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o poder da caneta, que Jair Bolsonaro havia perdido, voltou para o Executivo. Os sinais de turbulência no Congresso são incessantes.
Nas últimas semanas, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, protagonizou uma guerra com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, até o momento mal sucedida, para continuar analisando primeiro as Medidas Provisórias do governo. O objetivo é manter alta a fatura cobrada por deputados por apoio.
Operadores de emendas no Congresso Nacional já estão fazendo fila no Palácio do Planalto para assegurar controle sobre parte das verbas de investimento dos ministérios. Cerca de R$ 9,8 bilhões foram “devolvidos” pelo Congresso para o governo com o fim das emendas de relator.
O presidencialismo de coalizão do governo Lula, no jargão dos cientistas políticos, caminha para seus primeiros testes.
(Por Natália Portinari)