• Ulysses nunca quis uma nova eleição e sempre defendeu a posse de Sarney

    Está nas livrarias “Villas Bôas – Conversa com o Comandante”. É o resultado de 13 horas de entrevistas do professor Celso Castro com o general Eduardo Villas Bôas, que comandou o Exército de 2015 a 2019. O texto foi revisto pelo general até maio de 2020 e devolvido com acréscimos que engordaram o livro em 30%.

    “VB”, como é chamado pelos colegas, rememora sua vida, da infância de Cruz Alta aos dias tensos do impedimento de Dilma Rousseff e da eleição de Jair Bolsonaro.

    O general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas

    Ele tratou do seu famoso tuíte de 2018, às vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula pelo Supremo Tribunal Federal (“um alerta, muito antes que uma ameaça”) e do agradecimento que Bolsonaro lhe fez pouco depois de ter sido empossado:

    “Meu muito obrigado, comandante Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por estar aqui. Muito obrigado, mais uma vez”.

    O general explicou: “Morrerá entre nós! Garanto que não foi um tema de caráter conspiratório”.

    O tempo e novas memórias do período lapidarão as lembranças de Villas Bôas.

    Num caso, porém, sua memória (revista) falhou feio. Ele conta:

    “O presidente Sarney relata que, após a morte de Tancredo Neves, houve uma reunião para deliberar como se processaria a nova sucessão. O deputado Ulysses Guimarães tentou impor sua posição que consistia na realização de um novo pleito. O ministro Leônidas [general Leônidas Pires Gonçalves] posicionou-se no sentido de que, conforme a legislação vigente, o cargo de presidente caberia ao senador Sarney [que havia sido eleito para a Vice-Presidência].

    Ato contínuo, voltou-se para ele, prestando uma continência disse: ‘Boa noite, presidente’. Com seu arbítrio, o fato estava consumado, o que assegurou uma transição sem percalços”.

    Sarney nunca relatou isso. Ele vestiu a faixa na manhã de 15 de março de 1985, e Tancredo só morreu no dia 21 de abril.

    As incertezas com relação à posse do dia 15 foram desencadeadas na noite da véspera, quando Tancredo foi levado para o Hospital de Base de Brasília, para uma cirurgia de emergência. A posse estava marcada para horas depois. Sarney chegou ao hospital às 21h30.

    Nas suas palavras:

    “Lá encontro Ulysses. Tenho os olhos marejados. Rasga-me a alma o sofrimento de Tancredo. Ulysses me desperta ríspido: ‘Sarney, não é hora de sentimentalismos. Nossa luta não pode morrer na praia. Temos de tomar decisões. Você assume amanhã, como manda a Constituição, na interinidade do Tancredo’.

    ‘Não, Ulysses, assume você. Só assumo com Tancredo.’

    ‘Você não pode acrescentar problemas aos que estamos vivendo. É a democracia que temos de salvar.’”

    O general Leônidas, ministro do Exército escolhido por Tancredo, jantava na Academia de Tênis quando soube que o presidente eleito estava no hospital. Foi para lá defendendo a posse de Sarney. Conseguiu uma gravata emprestada e seguiu com uma pequena comitiva de políticos para um encontro com o chefe da Casa Civil, professor Leitão de Abreu. Sarney ficou no hospital e depois foi para casa.

    Leitão estava em dúvida (ou fingia estar em dúvida) se deveria ser empossado o vice ou o presidente da Câmara (Ulysses). Nesse encontro, Ulysses e Leônidas queriam a posse do vice-presidente. Fernando Henrique Cardoso testemunhou a cena. Ela aconteceu nas primeiras horas da madrugada do dia 15. Àquela altura achava-se que em alguns dias Tancredo estaria recuperado.

    Às três horas da madrugada tocou o telefone na casa de Sarney. Era o general Leônidas, que começou a conversa com um “boa noite, presidente”. Sarney repetiu que não queria assumir e Leônidas disse-lhe que “não temos espaço para erros”. Despediu-se com outro “boa noite, presidente”.

    A cena contada por Villas Bôas nunca aconteceu. Tancredo não estava morto. Ulysses nunca quis uma nova eleição e sempre defendeu a posse de Sarney. O general Leônidas era formal, mas não dava continência falando ao telefone.

    Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralada”.

    Deixe uma resposta