O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), não se declarou suspeito e segue relatando uma investigação contra o ministro das Comunicações, Juscelino Filho. Dino já tomou inclusive uma decisão no caso, que tramita em sigilo. O despacho foi assinado em março, mês seguinte à posse na Corte.
Antes de ser aprovado ao STF, Dino havia indicado a interlocutores que deveria se declarar suspeito no caso. A ideia era que, ao abrir mão do processo, ele se blindaria de eventuais conflitos tanto pelo fato de Juscelino ter sido seu colega de Esplanada quanto de a investigação envolver emendas parlamentares destinadas a uma cidade do Maranhão, estado governado por dois mandatos pelo hoje ministro.
Agora, interlocutores do ministro minimizam a relação entre os dois e afirmam que não há motivo para a suspeição. Dino não se pronunciou sobre a situação.
Há dois instrumentos que podem retirar um juiz de um caso. Um deles é o impedimento, baseado em dados objetivos, descritos na legislação. Um magistrado não pode atuar, por exemplo, em casos que ele próprio atuou, ou nos processos nos quais seus parentes tenham participado ou tenham interesses.
Já a suspeição envolve vínculos subjetivos, como o juiz ser “amigo íntimo ou inimigo” de uma das partes. Um magistrado pode declarar-se suspeito por razões de foro íntimo, sem necessidade de explicar suas razões.
Lula se reúne com Juscelino
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que ainda vai tomar uma decisão sobre o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), indiciado pela Polícia Federal (PF) por suspeita de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva. O petista conversou com jornalistas em Genebra, na Suíça, onde desembarcou nesta quinta-feira para participar de uma conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O presidente e o ministro vão se reunir nesta quinta. Só depois, segundo Lula, haverá uma decisão a respeito da manutenção de Juscelino Filho no cargo. Aos jornalistas, Lula afirmou que o acusado “tem direito de provar que é inocente”.
— Eu acho que o fato de o cara estar indiciado não significa que ele cometeu um erro. Significa que alguém está acusando, e a acusação foi aceita. Agora, é preciso que as pessoas provem que são inocentes — afirmou Lula, em declarações reproduzidas pelo g1.
O inquérito da PF investiga suspeitas de desvio de emendas parlamentares para pavimentação de ruas de Vitorino Freire, no interior do Maranhão, quando ele ainda era deputado federal. É a primeira vez que um integrante do primeiro escalão do atual mandato de Lula é indiciado, o que aumentou a pressão, vinda do PT, pela demissão do ministro. Uma troca, no entanto, é vista como improvável por ora no Palácio do Planalto diante dos desgastes do governo no Congresso. Em nota, o ministro negou irregularidades e apontou “ação política” da corporação.
A cidade maranhense é comandada pela irmã de Juscelino, Luanna Rezende, que chegou a ser afastada do cargo no ano passado, mas retomou o mandato após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A emenda parlamentar investigada foi indicada quando ele ainda era parlamentar, ou seja, antes de assumir o cargo no governo. O dinheiro foi enviado por meio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) no Maranhão.
Um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou que 80% da estrada custeada pela emenda beneficiou propriedades dele e de seus familiares na região. O documento da CGU foi revelado pelo jornal “Folha de S. Paulo”.
‘É pra descontar, viu?’
A obra de pavimentação da estrada foi orçada em R$ 7,5 milhões e feita pela Construservice, que tinha como sócio oculto, segundo a investigação, o empresário Eduardo José Barros Costa, mais conhecido como “Eduardo DP” ou “Imperador”. Ele nega irregularidades. Ao longo do inquérito, a PF teve acesso a mensagens trocadas entre Juscelino e o empresário.
Em uma conversa de 18 de janeiro de 2019, Juscelino passa ao interlocutor o nome de uma pessoa e indica o valor de R$ 9,4 mil. No dia seguinte, Costa responde com um recibo de depósito efetuado. O empresário ainda troca mensagens com seu irmão, responsável por sua movimentação financeira, explicando o pagamento.
“Isso é do Juscelino, lá de Vitorino, o deputado. Faz isso aí, que a terraplanagem daquela pavimentação quem fez foi ele. É para descontar, viu?”, diz Eduardo ao parente em uma mensagem de áudio.
O relatório final com a investigação da PF foi encaminhado na quarta-feira ao STF. O relator é o ministro Flávio Dino, que foi colega de Juscelino no primeiro escalão do governo Lula.
A conclusão da PF eleva a pressão sobre Juscelino, mas a avaliação no entorno de Lula é que uma troca neste momento é improvável, uma vez que o petista não vive uma boa relação com o Congresso e a exoneração poderia resultar em mais desgaste com o União Brasil. Na quarta-feira, ao mesmo tempo que saiu em defesa do ministro, o partido foi cobrado pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
— Tem um fato novo, indiciamento. O presidente vai embarcar (na quarta, para Genebra). Ele vai ser informado de tudo e vai tomar uma decisão. Na verdade, quem teria que tomar uma decisão é o partido dele — disse Wagner ao ser questionado sobre a situação do ministro.
O União Brasil defendeu seu filiado e afirmou que há suspeitas de uma atuação “direcionada e parcial” da PF na apuração.
Em março do ano passado, em outro momento em que as suspeitas vieram à tona, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, chegou a defender que Juscelino se afastasse para explicar o caso. Na ocasião, o União Brasil rebateu a fala da dirigente petista.
Integrantes do PT voltaram à carga agora e apontam a situação de Juscelino no governo como fragilizada. Uma ala do partido já pressionava pela sua troca sob o argumento que, apesar de possuir três ministérios, o União Brasil entrega menos votos do que deveria aos projetos do governo. No fim de maio, na manutenção do veto que travou a criação do crime de “comunicação enganosa em massa”, houve 51 votos de deputados da sigla contra o governo e apenas um alinhado.
Outra avaliação do grupo é de que o indiciamento de um ministro é algo constrangedor para o governo, mesmo se tratando de fatos que ocorreram antes de Juscelino assumir a pasta, quando ainda era deputado.
Auxiliares do presidente, porém, consideram que Lula mexeria num vespeiro ainda maior caso decida demitir o ministro das Comunicações, já que o governo tem acumulado derrotas em série entre parlamentares. Além de ter vetos derrubados em sessão do Congresso, há duas semanas, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devolveu na última terça-feira ao Executivo uma Medida Provisória que limita crédito de PIS/Cofins para empresas após reação negativa entre congressistas e empresários. Foi a primeira vez no atual mandato do presidente Lula que o Legislativo rejeitou uma MP.
Críticas à investigação
Outra avaliação feita por esses aliados do presidente é que, ao demitir Juscelino motivado pelo indiciamento da PF, Lula poderia abrir um precedente que teria que ser aplicado a qualquer outro ministro que fosse implicado em investigações. O indiciamento pela PF, apontam interlocutores, é apenas uma etapa, e não representa uma declaração de culpa. Caberá agora à Procuradoria-Geral da República (PGR) avaliar o caso e decidir se pede mais diligências, se arquiva as suspeitas ou se apresenta uma denúncia.
Em nota, Juscelino Filho afirmou que a investigação “parece ter se desviado de seu propósito original” e repete métodos da Lava-Jato. “O indiciamento é uma ação política e previsível, que parte de uma apuração que distorceu premissas, ignorou fatos e sequer ouviu a defesa sobre o escopo do inquérito. Não há absolutamente nada que envolva minha atuação no Ministério das Comunicações”, afirmou o ministro, reclamando que a PF fez uma “devassa” sobre ele e familiares e conclui:
“A investigação revira fatos antigos e que sequer são de minha responsabilidade enquanto parlamentar. No exercício do cargo como deputado federal, apenas indiquei emendas parlamentares para custear obras. A licitação, realização e fiscalização dessas obras são de responsabilidade do Poder Executivo e dos demais órgãos competentes”, apontou.
Lula embarcou na quarta para a Suíça, depois seguirá para a Itália e só voltará a Brasília no domingo. Auxiliares avaliam que o petista só deve conversar com o ministro após retornar da viagem.
Uma resposta
Com Dino atuando no caso, o investigado Juscelino não tem com que se preocupar. Isso é uma causa ganha para o deputado. Imagine a PF ousar suspeitar de uma pessoa “íntegra” como Juscelino.