• UOL: Estatal vinculada a Juscelino Filho dá ‘pedalada fiscal’ de R$ 77 milhões

    A Telebras, estatal vinculada ao Ministério das Comunicações, deu uma “pedalada fiscal” de R$ 77 milhões. A empresa fez uma manobra contábil para rolar despesas de 2023 para o orçamento deste ano.

    O procedimento é considerado irregular pelo TCU (Tribunal de Contas da União), pois viola a Constituição. A conduta pode ser enquadrada como improbidade administrativa e crime de responsabilidade.

    Em nota, a Telebras informou que tem feito cortes para se ajustar aos limites do orçamento do governo federal.

    O Ministério das Comunicações afirmou que a Telebras tem diretoria e conselho de administração devidamente constituídos. “Todas as decisões estratégicas e operacionais são de responsabilidade exclusiva desses órgãos — e não do Ministério das Comunicações.”

    O conselho de administração da Telebras tem, entre seus integrantes, indicados da própria pasta e do PT.

    No governo do presidente Lula (PT), a estatal se tornou cota do senador Davi Alcolumbre (União-AP), que trocou toda a diretoria e acomodou aliados.

    O orçamento da Telebras é controlado pelo ministério de Juscelino Filho — ou seja, a pasta pode modificar seu próprio orçamento para aumentar ou diminuir os recursos que caberão à estatal.

    Despesas acima do limite

    A Telebras admitiu a manobra contábil em um relatório enviado ao governo federal e obtido pelo UOL via LAI (Lei de Acesso à Informação).

    A estatal informou ter solicitado recursos extras em 2023 — os pedidos são feitos aos ministérios das Comunicações e Planejamento —, mas que, diante das negativas, empurrou um “volume elevado” de compromissos para 2024.

    O orçamento da Telebras foi de R$ 612 milhões no ano passado — valor-limite para gastos com salários, manutenção da infraestrutura e execução de obras, por exemplo.

    A Constituição proíbe que a administração pública faça despesas ou assuma obrigações em valores que ultrapassem o teto orçamentário para evitar descontrole dos gastos.

    Os serviços consumidos em um determinado ano precisam ser honrados com orçamento referente àquele período. Ou seja, se a conta de luz de um ministério é de maio de 2023, o recurso para pagá-la deve ser empenhado (reservado) no mesmo ano.

    Em 2023, a Telebras tinha despesas que precisavam ser executadas com orçamento daquele ano. Como não tinha verba, a empresa apenas parou de separar recursos para pagar os fornecedores, sem deixar, contudo, de consumir os serviços.

    Na prática, a estatal aumentou artificialmente o orçamento do ano passado em 12%.

    A companhia consumiu o que o governo tinha liberado para 2023 e usou parte da verba deste ano para cobrir compromissos que deveriam ter sido executados anteriormente.

    O UOL identificou que, em 12 de janeiro, a Telebras reservou R$ 40 milhões para pagar dois fornecedores importantes da empresa, com os quais está inadimplente.

    Como mostrou o UOL, a dívida milionária da Telebras com fornecedores cresceu 105% no último ano. Isso ocorreu em paralelo à troca da diretoria na estatal.

    TCU já condenou prática feita em estatal

    Para executar neste ano compromissos de 2023, a Telebras lançou mão de uma ferramenta orçamentária denominada DEA (Despesas de Exercícios Anteriores).

    O instrumento deve ser usado “em casos excepcionais por se tratar de despesas que não fazem parte da previsão orçamentária anual”, segundo reconheceu a própria estatal em balanço.

    “A alta realização de despesas classificadas como DEA decorre das negativas
    dos pedidos de suplementações orçamentárias [solicitação de acréscimo de recurso] cadastradas no exercício de 2023”, alegou a Telebras.

    Segundo o TCU, o instrumento só deve ser usado, por exemplo, se:

    a reserva dos recursos for anulada por irregularidade em processo licitatório;

    uma empresa apresentar faturas de anos anteriores;
    uma decisão judicial determinar o pagamento de valores retroativos.

    A Telebras registrou, em 2023, um total de R$ 853 mil em despesas anteriores, conforme o Siga Brasil (painel orçamentário do Senado).

    De janeiro a agosto deste ano, o valor saltou para R$ 77 milhões.

    O Tribunal de Contas considera, desde 2022, que esse tipo de manobra contábil é irregular. Naquele ano, a Corte fez uma fiscalização e identificou casos semelhantes ao da Telebras.

    Na avaliação do TCU, esse tipo de procedimento pode:

    acumular dívidas para a União;

    distorcer resultados fiscais;

    e consumir orçamento dos anos seguintes, impactando negativamente o planejamento do governo.

    No relatório enviado ao governo, a Telebras alegou ter rolado os compromissos “com
    o intuito de manter a operação da rede e garantir a continuidade das políticas públicas
    associadas, prestação dos serviços aos seus clientes e diretamente ao cidadão”.

    Em um dos casos já analisados, o TCU afirmou que, “por mais meritória que seja a política pública”, não cabe a um gestor decidir o valor do orçamento de um órgão.

    A alocação de recursos para cada setor do governo é uma decisão técnica e política. Cabe ao Executivo elaborar o orçamento e ao Legislativo analisar, modificar e aprovar quanto cada área terá de teto.

    Segundo o TCU, os gestores devem “se limitar a agir dentro dos contornos orçamentários definidos pelo Congresso Nacional”.

    “Quando a autorização orçamentária conferida pelo Poder Legislativo não é suficiente para custear despesas discricionárias, estritamente do ponto de vista do Direito Financeiro, a conduta esperada do gestor […] é que a Administração adote medidas visando à redução de despesas”, assinalou a Corte.

    Discurso destoa da prática

    A Telebras foi retirada da lista de privatizações pela gestão petista em abril do ano passado.

    Em 27 de agosto, Lula visitou o Centro de Operações Especiais da estatal e mencionou “o interesse do nosso governo em recuperar essa empresa”.

    “Quando nós resolvemos tirar essa empresa do rol da privatização, é preciso vocês saberem que nós assumimos um compromisso”, afirmou Lula. “É um compromisso de fazer daqui a dois anos ela ser melhor do que ela é hoje.”

    Em 30 de agosto, o governo entregou o projeto de lei orçamentária para 2025 ao Congresso. Os recursos previstos para a Telebras, no ano que vem, são de R$ 586 milhões.

    A Abeprest (Associação Brasileira das Empresas Prestadoras de Serviços de Telecomunicações e Informática) manifestou, em nota, sua “total indignação” com a inadimplência da estatal com fornecedores.

    “Ao atrasar os pagamentos de suas obrigações financeiras, a Telebras provoca insustentabilidade às empresas contratadas, com consequente risco de atraso de pagamento dos salários dos seus funcionários e demais obrigações acessórias”, afirmou.

    Esse contexto potencializa um grande problema social de consequências insustentáveis e imprevisíveis.”

    A Telebras informou estar “realizando cortes em sua programação orçamentária nos últimos anos a fim de ajustar as suas realizações aos limites estabelecidos do orçamento do governo federal”.

    Ministério de Juscelino Filho culpa gestão Bolsonaro

    Em nota, o Ministério das Comunicações afirmou que a Telebras “foi sucateada entre 2019 e 2022 para ser privatizada pela gestão anterior”.

    Segundo a pasta, “uma das consequências desse processo foi o acúmulo de dívidas com fornecedores, cujo problema está sendo equacionado pela atual gestão, após a sua retirada do Programa Nacional de Desestatização”.

    A pasta informou que, para os orçamentos de 2024 e 2025, “foram solicitados recursos suficientes para a Telebras cumprir as suas obrigações, além de requisitar, durante o ano, a liberação de recursos para quitar a dívida com fornecedores”.

    As Comunicações relataram que essas solicitações são analisadas pela Junta de Execução Orçamentária – composta pelos ministérios do Planejamento e Orçamento; Gestão e Inovação; Fazenda e Casa Civil – “com o conjunto das demandas dos diversos órgãos federais e define o que será atendido, de acordo com limitações fiscais do orçamento geral da União”.

    O ministério declarou que foi solicitado R$ 1,2 bilhão de orçamento para a companhia em 2025, “mas no projeto de lei orçamentária anual, dadas as limitações da política econômica, constam R$ 586 milhões”.

    “Em 2024, em função do cenário restritivo, o pleito foi de R$ 1,3 bilhão, contudo o aprovado foi de R$ 549 milhões, sendo que foram liberados até o momento, R$ 343,8 milhões”, pontuou.

    O Ministério da Fazenda afirmou que a estatal “faz parte do orçamento do Ministério das Comunicações, que é o responsável pela supervisão de suas atividades”. Por isso, a empresa e a pasta seriam “os únicos capazes de responder” sobre o assunto.

    Procurado, o Ministério do Planejamento informou que a reportagem deveria procurar o Ministério da Gestão.

    O Ministério da Gestão, por sua vez, afirmou que a Telebras faz parte do orçamento consolidado pelo Ministério do Planejamento “e diz respeito ao orçamento do ministério setorial ao qual a empresa está ligada”. (UOL)

    NOTA – MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES

    A Telebras, como empresa de capital aberto, possui diretoria e conselho de administração devidamente constituídos. Dessa forma, todas as decisões estratégicas e operacionais são de responsabilidade exclusiva desses órgãos – e não do Ministério das Comunicações.

    O Ministério das Comunicações esclarece que a Telebras é uma empresa estatal que foi sucateada entre 2019 e 2022 para ser privatizada pela gestão anterior. Uma das consequências desse processo foi o acúmulo de dívidas com fornecedores, cujo problema está sendo equacionado pela atual gestão, após a sua retirada do Programa Nacional de Desestatização.

    A pasta informa que, para os orçamentos de 2024 e 2025, foram solicitados recursos suficientes para a Telebras cumprir as suas obrigações, além de requisitar, durante o ano, a liberação de recursos para quitar a dívida com fornecedores.

    Os pedidos são analisados pela Junta de Execução Orçamentária (JEO) – formada pelos ministérios do Planejamento e Orçamento; Gestão e Inovação; Fazenda; e Casa Civil – com o conjunto das demandas dos diversos órgãos federais e define o que será atendido, de acordo com limitações fiscais do orçamento geral da União.

    Para 2025, por exemplo, foi solicitado R$ 1,2 bilhão de orçamento para a companhia, mas no projeto de lei orçamentária anual, dadas as limitações da política econômica, constam R$ 586 milhões. Em 2024, em função do cenário restritivo, o pleito foi de R$ 1,3 bilhão, contudo o aprovado foi de R$ 549 milhões, sendo que foram liberados até o momento, R$ 343,8 milhões.

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